segunda-feira, 3 de dezembro de 2018





DEFESA SOCIAL EM PERSPECTIVA:
POR UMA NOVA SEGURANÇA PÚBLICA
Claudionor Rocha[1]

                    O Centro de Estudos e Debates Estratégicos (Cedes) órgão vinculado à Mesa da Câmara dos Deputados, elaborou estudo sobre segurança pública, o qual gerou dois volumes. Um foi produzido pelo Deputado Paulo Teixeira, com assessoramento de especialistas e acadêmicos de renome, intitulado “Agenda de segurança cidadã: por um novo paradigma”. O outro trabalho, que agrega substancial contribuição também de vários profissionais, especialistas e estudiosos do tema que participaram dos oito eventos promovidos durante a realização do estudo, e agrega contribuição dos consultores legislativos que assessoraram o Cedes, está sendo lançado pelo Deputado Capitão Augusto, com o título “Segurança pública: prioridade nacional”.
                    Como uma das possibilidades resultantes do estudo, conduzido de 2015 a 2018, foi por nós produzida uma minuta de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que procura condensar as modificações essenciais sugeridas, utilizando, como subsídios, o aporte de reflexões havidas durante o estudo, além de alterações inspiradas por outras proposições em tramitação ou já arquivadas.
                 A PEC, em síntese, propõe a flexibilização do ‘sistema’, criando um conselho e propondo solução para o financiamento das atividades de segurança pública. O texto é deliberadamente extenso e abrangente a fim de permitir aprimoramento, mediante análise da pertinência dos temas e extensão desejada de detalhamento. As alterações são muitas e a justificativa, para não ser demasiado extensa, propõe-se acompanhar de nota técnica que constitui a primeira parte do presente estudo. Muitos dispositivos seriam mais adequados a compor a lei complementar prevista como regulamentadora da PEC.
                    Para elaboração da PEC partiu-se da assunção das seguintes premissas, cujos problemas subjacentes necessitam ser resolvidos:
                    1) Há certa insuficiência ou inadequação do capítulo constitucional sobre segurança pública.
                    2) Inexiste identidade policial autorreferente nas polícias estaduais, o que leva ao chamado espelhamento ou isomorfismo mimético, isto é, as polícias civis buscam se assemelhar aos órgãos do Poder Judiciário, enquanto as polícias militares e corpos de bombeiros militares procuram similaridade com as Forças Armadas, em especial com o Exército Brasileiro.
                    3) Há um desgaste do modelo policial reativo (versus o proativo, considerado mais adequado), causando os seguintes fenômenos, sucessivamente: a intensidade dos crimes leva os órgãos de policiamento ostensivo à ‘repressão imediata’ em vez de ‘prevenção’; essa injunção origina certa demanda reprimida nos órgãos da polícia civil; em consequência há baixas qualidade e resolutividade na apuração das infrações penais; mesmo assim, a demanda reprimida prossegue no âmbito do Ministério Público e do Poder Judiciário; demais disso, alguns órgãos do parquet optam por ‘investigar’, gerando outras distorções, como seletividade dos casos investigados, falta de controle externo dessa atividade bissexta e falta de quadros treinados para a tarefa.
                    4) Ocorrem limitações de gestão e integração, haja vista existir uma histórica disputa por poder e visibilidade entre vários órgãos componentes do sistema de justiça criminal, a saber: polícia civil versus polícia militar[2], especialmente entre delegados de polícia e oficiais; polícia civil versus Ministério Público, especialmente no tocante ao pretenso monopólio da investigação pelos delegados e o controle externo exercido pelos promotores de forma, muitas vezes, seletiva e ineficaz, além de ilegal – já que não há uma lei, mas resolução do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), regulando a matéria. Existe, ainda, simpatias recíprocas entre polícia militar e Ministério Público, em defesa da extinção do inquérito policial e da redução do protagonismo e até da categoria dos delegados; e entre policiais federais e Ministério Público, em defesa da carreira única para todos os policiais. Demais disso, no âmbito das próprias corporações, há um natural conflito de interesses entre categorias dirigentes e subordinadas, isto é, delegados versus agentes, na polícia civil; oficiais versus praças, nos órgãos militares. Essa realidade estimula animosidade, baixa efetividade e alta taxa de atrito[3].                                                                                
                    5) Há uma escalada do crime e da violência, não obstante os investimentos aplicados em segurança pública ao longo das últimas décadas.
                    6) Falta protagonismo da União e maior responsabilidade dos Municípios, a ser constitucionalmente prevista, no âmbito da provisão de segurança pública.
                    7) Na prática, estão ausentes do subsistema de segurança pública os demais órgãos integrantes do sistema de justiça criminal (Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública).
                    8) Há forte resistência das polícias militares à ampliação de participação dos Municípios na manutenção da ordem pública, por meio das guardas ou polícias municipais, bem como dos corpos de bombeiros militares à existência dos bombeiros municipais e voluntários.
                    9) Há um entendimento equivocado e fragmentário em relação às propostas de unificação das polícias, ou a extensão do ciclo completo às polícias ostensivas, com forte resistência das polícias militares e das polícias civis, respectivamente, a tais reestruturações dos órgãos ou atividades.
                    10) Prevalece, no âmbito das administrações estaduais, o pacto federativo exculpante (fundado no art. 18 da Constituição) versus a busca de uma solidariedade federativa (prevista no art. 241 da Carta).
                    Reveladas as premissas, foram estabelecidos os seguintes eixos estruturantes para a elaboração da PEC:
                    a) Constitucionalização de preceitos, com texto essencial a ser integrado no corpo da Constituição e texto instrumental integrando dispositivos autônomos da Emenda.
                    b) Regulamentação da PEC por lei complementar, em razão de essa espécie normativa exigir processo legislativo mais rígido e, além disso, não poder ser iniciada por medida provisória (MP). Tal critério impede que o Presidente da República opte pela via da urgência, na qual o tempo para reflexão e maturação dos temas é escasso, inibindo a apreciação da matéria nas Comissões temáticas, uma vez que as MP são apreciadas apenas em Plenário. Afora isso, em razão do prazo reduzido, a discussão em geral é tumultuária e com resultados nem sempre satisfatórios[4].
                    c) Previsão de estreita cooperação entre órgãos públicos de segurança e de defesa civil num só sistema de ‘defesa social’.
                    d) Instituição de um ‘sistema nacional de defesa social’, de adesão voluntária dos Estados, Distrito Federal e Municípios.
                    e) Flexibilização do modelo policial, facultando a unificação dos órgãos existentes ou criação de outros. Entretanto, no âmbito estadual e do Distrito Federal se estimula a fusão.
                    f) Desmilitarização das polícias militares e corpos de bombeiros militares condicionada à extinção do vínculo com o Exército, com o que deixariam de ser consideradas forças auxiliares e reserva do Exército. Com essa providência se alargaria o conceito de mobilização para todas as polícias.
                    g) Faculdade de criação controlada de polícias municipais e metropolitanas.
                    h) Financiamento solidário do subsistema de segurança pública por meio de um fundo constitucionalmente previsto, com a exigência de aplicação mínima definida e a liberação de recursos condicionada ao atingimento de metas pelos entes aderentes.
                    i) Criação de um conselho constitucional de defesa social, nos moldes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do aludido CNMP.
                    j) Manutenção dos direitos adquiridos dos profissionais de segurança pública, inclusive previdenciários, exceto o direito de greve.
                    k) Previsão de crimes de responsabilidade no âmbito do sistema, a ser definido na lei complementar regulamentadora.              
                    l) Difusão da filosofia de policiamento do tipo proativo, comunitário, com foco no cidadão e orientado para a resolução de conflitos e solução de problemas.
                    Contextualizando a unicidade da proposta, esclareça-se que seriam apresentadas outras minutas de proposições, posteriormente – as quais pretendemos, igualmente, elaborar – cujo início no processo legislativo dependeria, em tese, da aprovação da PEC sugerida.
                    Observamos que em relação à minuta ora apresentada, sua redação estaria obviamente sujeita a aperfeiçoamento, tanto no aspecto estrutural, quanto da eventual adequação terminológica.
                    Comentaremos, a seguir, os dispositivos da minuta da PEC, sequencialmente e, por fim, ligeira conclusão. Ao final, exibimos em anexo o texto completo da minuta da PEC e respectiva justificativa.