DEFESA SOCIAL EM PERSPECTIVA:
POR UMA NOVA SEGURANÇA
PÚBLICA
O Centro de Estudos e Debates
Estratégicos (Cedes) órgão vinculado à Mesa da Câmara dos Deputados, elaborou
estudo sobre segurança pública, o qual gerou dois volumes. Um foi
produzido pelo Deputado Paulo Teixeira, com assessoramento de especialistas e
acadêmicos de renome, intitulado “Agenda de segurança cidadã: por um novo
paradigma”. O outro trabalho, que agrega substancial contribuição também de
vários profissionais, especialistas e estudiosos do tema que participaram dos
oito eventos promovidos durante a realização do estudo, e agrega contribuição
dos consultores legislativos que assessoraram o Cedes, está sendo lançado pelo
Deputado Capitão Augusto, com o título “Segurança pública: prioridade
nacional”.
Como
uma das possibilidades resultantes do estudo, conduzido de 2015 a 2018, foi por
nós produzida uma minuta de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que procura
condensar as modificações essenciais sugeridas, utilizando, como subsídios, o
aporte de reflexões havidas durante o estudo, além de alterações inspiradas por
outras proposições em tramitação ou já arquivadas.
A PEC, em síntese, propõe a flexibilização do
‘sistema’, criando um conselho e propondo solução para o financiamento das
atividades de segurança pública. O texto é
deliberadamente extenso e abrangente a fim de permitir aprimoramento, mediante
análise da pertinência dos temas e extensão desejada de detalhamento. As
alterações são muitas e a justificativa, para não ser demasiado extensa,
propõe-se acompanhar de nota técnica que constitui a primeira parte do presente
estudo. Muitos dispositivos seriam mais adequados a compor a lei complementar
prevista como regulamentadora da PEC.
Para
elaboração da PEC partiu-se da assunção das seguintes premissas, cujos
problemas subjacentes necessitam ser resolvidos:
1) Há certa insuficiência ou
inadequação do capítulo constitucional sobre segurança pública.
2) Inexiste identidade
policial autorreferente nas polícias estaduais, o que leva ao chamado
espelhamento ou isomorfismo mimético, isto é, as polícias civis buscam se
assemelhar aos órgãos do Poder Judiciário, enquanto as polícias militares e
corpos de bombeiros militares procuram similaridade com as Forças Armadas, em
especial com o Exército Brasileiro.
3) Há um desgaste do modelo
policial reativo (versus o proativo, considerado mais adequado),
causando os seguintes fenômenos, sucessivamente: a intensidade dos crimes leva
os órgãos de policiamento ostensivo à ‘repressão imediata’ em vez de
‘prevenção’; essa injunção origina certa demanda reprimida nos órgãos da
polícia civil; em consequência há baixas qualidade e resolutividade na apuração
das infrações penais; mesmo assim, a demanda reprimida prossegue no âmbito do
Ministério Público e do Poder Judiciário; demais disso, alguns órgãos do parquet optam por ‘investigar’, gerando
outras distorções, como seletividade dos casos investigados, falta de controle
externo dessa atividade bissexta e falta de quadros treinados para a tarefa.
4) Ocorrem limitações de
gestão e integração, haja vista existir uma histórica disputa por poder e
visibilidade entre vários órgãos componentes do sistema de justiça criminal, a
saber: polícia civil versus polícia
militar[2],
especialmente entre delegados de polícia e oficiais; polícia civil versus Ministério Público, especialmente
no tocante ao pretenso monopólio da investigação pelos delegados e o controle
externo exercido pelos promotores de forma, muitas vezes, seletiva e ineficaz,
além de ilegal – já que não há uma lei, mas resolução do Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP), regulando a matéria. Existe, ainda, simpatias
recíprocas entre polícia militar e Ministério Público, em defesa da extinção do
inquérito policial e da redução do protagonismo e até da categoria dos
delegados; e entre policiais federais e Ministério Público, em defesa da
carreira única para todos os policiais. Demais disso, no âmbito das próprias
corporações, há um natural conflito de interesses entre categorias dirigentes e
subordinadas, isto é, delegados versus
agentes, na polícia civil; oficiais versus
praças, nos órgãos militares. Essa realidade estimula animosidade, baixa
efetividade e alta taxa de atrito[3].
5) Há uma escalada do crime e da
violência, não obstante os investimentos aplicados em segurança pública ao
longo das últimas décadas.
6) Falta protagonismo da
União e maior responsabilidade dos Municípios, a ser constitucionalmente
prevista, no âmbito da provisão de segurança pública.
7) Na prática, estão ausentes
do subsistema de segurança pública os demais órgãos integrantes do sistema de
justiça criminal (Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública).
8) Há forte resistência das
polícias militares à ampliação de participação dos Municípios na manutenção da
ordem pública, por meio das guardas ou polícias municipais, bem como dos corpos
de bombeiros militares à existência dos bombeiros municipais e voluntários.
9)
Há um entendimento equivocado e fragmentário em relação às propostas de
unificação das polícias, ou a extensão do ciclo completo às polícias
ostensivas, com forte resistência das polícias militares e das polícias civis, respectivamente,
a tais reestruturações dos órgãos ou atividades.
10) Prevalece, no âmbito das
administrações estaduais, o pacto federativo exculpante (fundado no art. 18 da
Constituição) versus a busca de uma solidariedade federativa (prevista
no art. 241 da Carta).
Reveladas as premissas, foram
estabelecidos os seguintes eixos estruturantes para a elaboração da PEC:
a) Constitucionalização de
preceitos, com texto essencial a ser integrado no corpo da Constituição e texto
instrumental integrando dispositivos autônomos da Emenda.
b) Regulamentação da PEC por
lei complementar, em razão de essa espécie normativa exigir processo
legislativo mais rígido e, além disso, não poder ser iniciada por medida
provisória (MP). Tal critério impede que o Presidente da República opte pela
via da urgência, na qual o tempo para reflexão e maturação dos temas é escasso,
inibindo a apreciação da matéria nas Comissões temáticas, uma vez que as MP são
apreciadas apenas em Plenário. Afora isso, em razão do prazo reduzido, a
discussão em geral é tumultuária e com resultados nem sempre satisfatórios[4].
c) Previsão de estreita
cooperação entre órgãos públicos de segurança e de defesa civil num só sistema
de ‘defesa social’.
d) Instituição de um ‘sistema
nacional de defesa social’, de adesão voluntária dos Estados, Distrito Federal
e Municípios.
e) Flexibilização do modelo
policial, facultando a unificação dos órgãos existentes ou criação de outros.
Entretanto, no âmbito estadual e do Distrito Federal se estimula a fusão.
f) Desmilitarização das
polícias militares e corpos de bombeiros militares condicionada à extinção do
vínculo com o Exército, com o que deixariam de ser consideradas forças
auxiliares e reserva do Exército. Com essa providência se alargaria o conceito
de mobilização para todas as polícias.
g) Faculdade de criação
controlada de polícias municipais e metropolitanas.
h) Financiamento solidário do
subsistema de segurança pública por meio de um fundo constitucionalmente
previsto, com a exigência de aplicação mínima definida e a liberação de
recursos condicionada ao atingimento de metas pelos entes aderentes.
i) Criação de um conselho
constitucional de defesa social, nos moldes do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) e do aludido CNMP.
j) Manutenção dos direitos
adquiridos dos profissionais de segurança pública, inclusive previdenciários,
exceto o direito de greve.
k) Previsão de crimes de
responsabilidade no âmbito do sistema, a ser definido na lei complementar
regulamentadora.
l)
Difusão da filosofia de policiamento do tipo proativo, comunitário, com foco no
cidadão e orientado para a resolução de conflitos e solução de problemas.
Contextualizando a unicidade
da proposta, esclareça-se que seriam apresentadas outras minutas de
proposições, posteriormente – as quais pretendemos, igualmente, elaborar – cujo
início no processo legislativo dependeria, em tese, da aprovação da PEC
sugerida.
Observamos que em relação à
minuta ora apresentada, sua redação estaria obviamente sujeita a
aperfeiçoamento, tanto no aspecto estrutural, quanto da eventual adequação
terminológica.
Comentaremos,
a seguir, os dispositivos da minuta da PEC, sequencialmente e, por fim, ligeira
conclusão. Ao final, exibimos em anexo o texto completo da minuta da PEC e
respectiva justificativa.