segunda-feira, 26 de outubro de 2015

TEORIA DA PERSONALIDADE

Voltando à abordagem sociopsicológica da violência e do crime, uma das teorias é a da personalidade, de Gordon Allport. É uma teoria simples, mas ajuda a entender determinados comportamentos. Sustenta que a conduta, expressão da personalidade tem dois componentes: o temperamento e o caráter.
Segundo Allport, a personalidade é uma mescla do temperamento e do caráter. O temperamento nasce com o indivíduo, enquanto o caráter é moldado ao longo da vida.
Donde se pode fazer uma associação com a discussão acerca da influência da biologia no comportamento criminoso. Considerando que o temperamento é inato, pode-se concluir que existe uma carga genética a influenciar o comportamento criminoso. Assim, as teorias de Gall e Lombroso estariam no caminho certo, mas pesquisando o objeto errado. Não são as características físicas que determinam o comportamento criminoso. São as inatas, genéticas e, especialmente, as de natureza psíquica que “podem” contribuir para a tendência ao crime.
Mas está certa, também, a teoria que defende a influência do meio na formação da mente criminosa. Talvez haja mesmo uma prevalência do caráter na formação da personalidade e, portanto, da tendência criminosa.
Pode haver, contudo, uma prevalência do temperamento, o que explicaria porque muitas pessoas vivem num meio totalmente favorável à escalada criminosa e se tornam pessoas de bem.
Acredito que hoje em dia o caráter prevaleça na formação da personalidade, diante da facilidade com que as pessoas são influenciadas pelo meio, especialmente a mídia e a propaganda e a miscigenação das tradições diante das facilidades de comunicação e transporte. As tradições e costumes são um importante freio nos desvios de conduta e quando eles se diluem, os desvios se tornam mais propícios.
A profusão das famílias monoparentais em que a ausência da mãe é muito sentida desde cedo impede a sedimentação de valores úteis na formação de um bom caráter. A falta do pai impede a criança ou jovem de ter uma referência de liderança e exemplo, especialmente o homem, pois ninguém quer ser “como a mãe”, na sociedade machista; então ele tem como exemplo os chefes de gangues e quadrilhas.
É cada vez mais comum, na sociedade ocidental, o desrespeito pelas pessoas idosas, que em outras sociedades são tidas como referências de caráter, sendo até veneradas pelos jovens.

Compreende-se, pois, numa sociedade de dirigentes bandidos, porque se abomina os ensinamentos de moral e civismo nas escolas, como se isso fosse a volta ao regime militar ou alguma expressão da filosofia da “lei e ordem” para o controle social da população.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

VIOLÊNCIA E CRIME

No âmbito da abordagem sociopsicológica da violência e do crime, há as chamadas teorias biológicas, como a frenologia, a antropologia criminal, as alterações genéticas e outras, que apresentam aspectos positivos e negativos.
Quanto ao aspecto positivo, foram importantes as investigações promovidas por Gall, Lombroso e seus seguidores, embora não tivessem sido contestadas à época, por serem favoráveis ao status quo e, talvez por isso mesmo, tiveram larga influência no pensamento criminológico desde então. Mesmo no Brasil tivemos cientistas entusiastas das idéias de Lombroso, como o médico Leonídio Ribeiro, que foi Diretor da Polícia Civil do Distrito Federal (no Rio de Janeiro) e hoje nomeia o Instituto Médico Legal (IML) de Brasília. Tal movimento criou as bases para o estudo da criminologia, no sentido de estudar as causas do crime, a personalidade do criminoso e com isso contribuir para a prevenção e compreensão dos fatores criminógenos.
Como ponto negativo, esses estudos podem ter criado no imaginário popular um padrão do indivíduo criminoso, que levou as legislações das nações modernas a adotarem mecanismos de contenção das minorias e das parcelas da população consideradas “perigosas”, os marginalizados, os despossuídos, os recém-libertos (como no Brasil, após a abolição da escravatura), levando o sistema de persecução criminal a discriminar tais segmentos como prováveis criminosos. Tais teorias podem ter reforçado o conceito de "classes perigosas", surgido durante a Revolução Industrial inglesa.
A teoria de Lombroso, de alguma forma, ainda resiste aos dias atuais, pois ainda persiste o estigma contra as pessoas de má aparência, seja física, seja da indumentária. É comum a polícia abordar alguém nas periferias pelo simples fato de estar usando o famoso “kit mala” (bermudão, blusão, boné e chinelos). Da mesma forma, está se tornando usual algumas quadrilhas se vestirem bem, de terno e gravata, serem tratados como “doutores” e, portanto, cometerem crimes comuns de furto ou roubo sem serem molestados por seguranças e policiais.
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A falha em conter a violência, contudo, não é somente dos órgãos de segurança pública. Há também uma parcela de responsabilidade por parte da família moderna e, por extensão, pode ser imputada a toda a sociedade. A moderna sociedade da metrópole onde tudo gira muito rapidamente – transportes, comunicações, relações sociais – os criminosos já se acostumaram com a “correria”.
Mas a contenção da violência não é atribuição exclusiva dos órgãos de segurança pública, porque essa contenção se dá pela prevenção e pela repressão. A mais importante é a prevenção e as instituições com maior responsabilidade nesse tocante são a família, a escola, a igreja, além de outras, como as associações, clubes etc. O Estado tem grande parcela de responsabilidade, ao permitir que tais instituições funcionem a contento. A urbanização exagerada e desordenada, a falta de creches, saneamento básico, políticas de saúde e fiscalização quanto a posturas põem a perder as noções de cidadania e civilidade. Alie-se a isso uma legislação laxista, uma degeneração dos costumes pela mídia e pela corrupção política e uma impunidade endêmica e tem-se o caldo de cultura para o afloramento da violência.
Desta forma, a violência atual não é um assunto exclusivamente da área de segurança pública. Tem tudo a ver com saúde pública, também. Primeiramente porque as estatísticas confiáveis atualmente são oriundas do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), uma vez que as mortes são o retrato mais acabado da violência. Os acidentes de trânsito matam tanto quanto os homicídios. Além disso, as internações, os atendimentos ambulatoriais, a reabilitação, as aposentadorias precoces e os milhares de vítimas que se tornam pessoas deficientes em razão de agressões e acidentes de trânsito causam enorme prejuízo para a economia do país.
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A violência mais visível é a física. Mas há outros tipos, igualmente preocupantes. Um desses tipos é a violência psicológica que, por mais difícil que seja sua comprovação, não deve ser rejeitada no âmbito jurídico. Deve haver medidas para estimular as pessoas vítimas e testemunhas a denunciar os casos, pois a omissão pode ocultar a gravidade do problema. Além disso, o fator pedagógico da responsabilização dos autores contém alto poder dissuasório em relação a potenciais infratores. Em seus vários aspectos, a violência psicológica é punida no caso dos crimes contra a honra (calúnia, injúria, difamação), ameaça, tortura e os previstos na Lei Maria da Penha. Há projeto de lei para criminalizar o bullying.

A negligência é outra forma de violência, segundo a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS). É comum a negligência, intrafamiliar principalmente, para com as crianças, idosos e deficientes físicos, além dos doentes em geral. Tratam-se de pessoas geralmente hipossuficientes no aspecto da saúde física, mobilidade ou capacidade de gerirem a própria vida. Por tais razões, quase sempre estão sujeitas a um cuidado de algum familiar próximo. Se esse familiar falha na sua incumbência ou não a cumpre com zelo, pode ocorrer a negligência, que se enquadra na espécie de violência oriunda do convívio familiar.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

QUAL REFORMA?



Recomendo a leitura de Os donos do poder, de Raymundo Faoro. Dá uma visão muito nítida do sistema patrimonialista que vigeu no país, desde o descobrimento e que ainda se faz sentir nos dias de hoje. Entendo que ainda falta muito para se atingir a condição de um Estado gerencial preconizado pelo ex-Ministro Bresser Pereira. Há muita influência política na designação de cargos importantes para a eficaz atuação da Administração Pública.
Um exemplo: políticos 'profissionais' não deveriam assumir Ministérios e Secretarias, muito menos quando perdem as eleições, a título de prêmio de consolação. Quando muito, apenas os eleitos e, ainda assim, com perda do mandato. Mesmo nessa hipótese, há a possibilidade de conchavos, o eleito assume o Ministério e seu suplente assume sua vaga e todos (eles) saem ganhando.

Não haverá reforma gerencial enquanto não houver uma reforma política de verdade.
Acredito que é preciso reformar a legislação eleitoral (política estruturadora), para muito além da ficha limpa. A maioria dos representantes no legislativo são classistas, em vez de representarem o bairro, a cidade, a região administrativa. Isso é que estreita o vínculo do representante com a comunidade, melhorando o canal de demandas da sociedade, conforme disse o professor. Assim não sendo, o mandatário classista não passa de um lobista da própria classe, atuando em causa própria. Exemplo disso (e nem é no legislativo) é que durante o governo Cristovam, ele era apoiado pela polícia militar, enquanto a polícia civil sempre apoiou o Roriz, independentemente de ele ter fomentado a migração desordenada para o DF, o que sempre gera demandas sociais reprimidas e, ao cabo, criminalidade. Então se o deputado representante da categoria articula bem ou pertence à base do governo, aquela categoria pode obter benefícios diferenciados, o que só gera mais insatisfação entre os demais.
Outra questão é o financiamento público de campanha. Se o candidato não pode se autofinanciar, ficará refém do financiador, atuando, igualmente, como lobista dele. Hoje já há financiamento público, quando os impostos garantem o fundo partidário e o encarecimento do preço dos anunciantes no período de horário eleitoral 'gratuito', custo que é suportado pelos consumidores em geral.
Donde o ideal, na minha concepção é o famoso voto distrital misto, com financiamento público de campanha, dentre outras alterações.
Outro exemplo: de há muito não se faz uma auditoria séria no bolsa-família, sendo que muita gente ganha sem se esforçar para mandar os guris para a escola. Aliás, nem isso é exigido, quando muito uma 'recomendação' para que os pais mantenham em dia a carteira de vacinação. Pior, então, quando muitos tiram os meninos da escola e os obrigam a trabalhar para complementar a renda. Sem falar nos que ficam só esperando o bolsa-família no fim do mês, pois não “aprenderam a pescar”. Tanto que o mote de qualquer campanha do governo é de que a oposição vai cortar o bolsa-família. Ora, se fosse um programa sério, o certo seria cortar mesmo, com o tempo, pois, tratando-se, conceitualmente, de uma política distributiva, não pode ser permanente. Mas eleitoralmente é uma maravilha essa política redistributiva, tirando do meu imposto o voto nos populistas.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

CONFLITOS

Conflito interpessoal é aquele que se dá entre pessoas, sejam conhecidas ou não. Desde conflitos familiares, no trabalho, de vizinhança (entre conhecidos), como os do trânsito, ou os envolvendo infrações penais (geralmente entre desconhecidos), podem gerar situações de violência. "Se um não quer, dois não brigam", diz o ditado popular. Se os conflitantes não conseguem resolver o conflito de forma pacífica, seja mediante negociação direta ou mediação, buscam a tutela estatal para resolvê-lo, por meio do Poder Judiciário. Alguns conflitos, porém, não admitem qualquer resolução pacífica, como os envolvendo ataques de delinquentes. Nesses casos, na verdade, não há um conflito, se a vítima permite ao agressor desapossá-la de um bem ou atacar sua incolumidade, por exemplo. Mas haverá o conflito, e com desfecho nem sempre feliz, em prejuízo da vítima, se ela se rebelar contra o ataque.
O acesso à Justiça nem sempre é acessível a todos. As defensorias públicas, por exemplo, podem ser consideradas como a primeira política de acesso efetivo à justiça no país. Apesar do avanço, contudo, são insuficientes para atender a demanda de assistência jurídica gratuita. No dizer de Capelletti (1974), o acesso à justiça é o mais básico dos direitos humanos, visando a garantir e não apenas proclamar os direitos de todos.
As defensorias ainda são incipientes no país, pois muitas cidades do interior não as possuem. Seu papel é muito relevante, diria que mais do que o da advocacia, vez que a essa o acesso é possível a quem dispõe do poder econômico. Já os despossuídos ou têm adefensoria a seu favor ou perdem a causa. Há casos famosos de pessoas que perderam todos os bens para pagarem advogados a fim de não sucumbirem numa causa. O correto seria prover de defensorias todos os municípios e todos terem direito a ela, cabendo ao juiz verificar se o postulante possui bens suficientes para suportar a demanda sem comprometimento de bens essenciais. 
É sabido que o Poder Judiciário utiliza um sistema de resolução de conflitos onde a ferramenta principal é a sentença. Já a mediação utiliza o acordo voluntário, com a participação de um terceiro, aproximando as partes envolvidas e incentivando as mesmas a encontrar uma solução pacífica para o problema. A mediação não estatal se torna prática e vantajosa na maioria dos casos, especialmente aqueles de menor potencial de lesividade.
A mediação de conflitos deveria ser regulamentada para permitir que em todas as instâncias, o servidor público que esteja atendendo a uma situação, seja ele policial, fiscal, profissional da saúde ou da educação etc., pudesse decidir um conflito, segundo certas regras. Haveria uma "alçada" legal para a mediação, de modo que a partir de certo patamar de valor, importância ou gravidade do interesse envolvido, o caso tivesse de ser levado à mediação das instâncias formais. As vantagens são a redução de custos e do tempo de satisfação do interesse em conflito, com reflexos na diminuição da sensação de impunidade, na redução dos processos formais e, portanto, na efetividade da Justiça.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

MALINCULIA


Poesia de Antonino Sales, linda, como as poesias de nossos cabôcos das Gerais ou repentistas do Nordeste, como Patativa do Assaré e outros. A poesia escrita conforme se fala nos grotões é peculiarmente agradável, o que lhe dá muitas possibilidades de rimas e construções belíssimas.
Isso é arte pura. Mas, das duas uma: 1) ou o autor fala assim e outro registrou o original; 2) ou ele captou a linguagem simples, mas fala conforme a norma padrão, registrando aquela como homenagem ao falante humilde. Seria atrevimento tentar reescrever o poema conforme a norma padrão...


Malinculia, Patrão,
É um suspiro maguado
Qui nace no coração!
É o grito safucado
Duma sodade iscundida
Qui nos fala do passado
Sem se torná cunhicida!
É aquilo qui se sente
Sem se pudê ispricá!
Qui fala dentro da gente
Mas qui não diz onde istá!
Malinculia é tristeza
Misturada cum paxão,
Vibrando na furtaleza
Das corda do coração!
Malinculia é qui nem
Um caminho bem diserto
Onde não passa ninguém...
Mas nem purisso, bem perto,
Uma voz misteriosa
Relata munto baxinho
Umas história sodosa,
Cheias de amô e carinho!
Seu moço, malinculia
É a luz isbranquiçada
Dos ano qui se passô...
É ternura... é aligria...
É uma frô prefumada
Mudando sempre de cô!
Às vez ela vem na prece
Qui a gente reza sozinho.
Otras vez ela aparece
No canto dum passarinho,
Numa lembrança apagada,
No rumance dum amô,
Numa coisa já passada,
Num sonho que se afindô!
A tá da malinculia
Não tem casa onde morá...
Ela veve noite e dia
Os coração a rondá!
Não tem corpo, não tem arma,
Não é home nem muié...
E ninguém lhe bate parma
Pru caso de sê quem é!
Ela se isconde num bejo
Qui foi dado há muntos ano...
Malinculia é desejo,
É cinza de disingano,
Malinculia é amô
Pulo tempo sipurtado,
Malinculia é a dô
Qui o home sofre calado
Quando lhe vem à lembrança
Passages da sua vida...
Juras de amô... isperança...
Na mucidade culhida!
É tudo o que pode havê
Guardado num coração!
É uma histora que se lê
Sem forma de ispricação!
Pruquê inda vai nacê
O home, ou mermo a muié,
Capacitado a dizê
Malinculia o qui é!!!

(gravura: O violeiro, de Almeida Júnior)