segunda-feira, 26 de outubro de 2015

TEORIA DA PERSONALIDADE

Voltando à abordagem sociopsicológica da violência e do crime, uma das teorias é a da personalidade, de Gordon Allport. É uma teoria simples, mas ajuda a entender determinados comportamentos. Sustenta que a conduta, expressão da personalidade tem dois componentes: o temperamento e o caráter.
Segundo Allport, a personalidade é uma mescla do temperamento e do caráter. O temperamento nasce com o indivíduo, enquanto o caráter é moldado ao longo da vida.
Donde se pode fazer uma associação com a discussão acerca da influência da biologia no comportamento criminoso. Considerando que o temperamento é inato, pode-se concluir que existe uma carga genética a influenciar o comportamento criminoso. Assim, as teorias de Gall e Lombroso estariam no caminho certo, mas pesquisando o objeto errado. Não são as características físicas que determinam o comportamento criminoso. São as inatas, genéticas e, especialmente, as de natureza psíquica que “podem” contribuir para a tendência ao crime.
Mas está certa, também, a teoria que defende a influência do meio na formação da mente criminosa. Talvez haja mesmo uma prevalência do caráter na formação da personalidade e, portanto, da tendência criminosa.
Pode haver, contudo, uma prevalência do temperamento, o que explicaria porque muitas pessoas vivem num meio totalmente favorável à escalada criminosa e se tornam pessoas de bem.
Acredito que hoje em dia o caráter prevaleça na formação da personalidade, diante da facilidade com que as pessoas são influenciadas pelo meio, especialmente a mídia e a propaganda e a miscigenação das tradições diante das facilidades de comunicação e transporte. As tradições e costumes são um importante freio nos desvios de conduta e quando eles se diluem, os desvios se tornam mais propícios.
A profusão das famílias monoparentais em que a ausência da mãe é muito sentida desde cedo impede a sedimentação de valores úteis na formação de um bom caráter. A falta do pai impede a criança ou jovem de ter uma referência de liderança e exemplo, especialmente o homem, pois ninguém quer ser “como a mãe”, na sociedade machista; então ele tem como exemplo os chefes de gangues e quadrilhas.
É cada vez mais comum, na sociedade ocidental, o desrespeito pelas pessoas idosas, que em outras sociedades são tidas como referências de caráter, sendo até veneradas pelos jovens.

Compreende-se, pois, numa sociedade de dirigentes bandidos, porque se abomina os ensinamentos de moral e civismo nas escolas, como se isso fosse a volta ao regime militar ou alguma expressão da filosofia da “lei e ordem” para o controle social da população.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

VIOLÊNCIA E CRIME

No âmbito da abordagem sociopsicológica da violência e do crime, há as chamadas teorias biológicas, como a frenologia, a antropologia criminal, as alterações genéticas e outras, que apresentam aspectos positivos e negativos.
Quanto ao aspecto positivo, foram importantes as investigações promovidas por Gall, Lombroso e seus seguidores, embora não tivessem sido contestadas à época, por serem favoráveis ao status quo e, talvez por isso mesmo, tiveram larga influência no pensamento criminológico desde então. Mesmo no Brasil tivemos cientistas entusiastas das idéias de Lombroso, como o médico Leonídio Ribeiro, que foi Diretor da Polícia Civil do Distrito Federal (no Rio de Janeiro) e hoje nomeia o Instituto Médico Legal (IML) de Brasília. Tal movimento criou as bases para o estudo da criminologia, no sentido de estudar as causas do crime, a personalidade do criminoso e com isso contribuir para a prevenção e compreensão dos fatores criminógenos.
Como ponto negativo, esses estudos podem ter criado no imaginário popular um padrão do indivíduo criminoso, que levou as legislações das nações modernas a adotarem mecanismos de contenção das minorias e das parcelas da população consideradas “perigosas”, os marginalizados, os despossuídos, os recém-libertos (como no Brasil, após a abolição da escravatura), levando o sistema de persecução criminal a discriminar tais segmentos como prováveis criminosos. Tais teorias podem ter reforçado o conceito de "classes perigosas", surgido durante a Revolução Industrial inglesa.
A teoria de Lombroso, de alguma forma, ainda resiste aos dias atuais, pois ainda persiste o estigma contra as pessoas de má aparência, seja física, seja da indumentária. É comum a polícia abordar alguém nas periferias pelo simples fato de estar usando o famoso “kit mala” (bermudão, blusão, boné e chinelos). Da mesma forma, está se tornando usual algumas quadrilhas se vestirem bem, de terno e gravata, serem tratados como “doutores” e, portanto, cometerem crimes comuns de furto ou roubo sem serem molestados por seguranças e policiais.
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A falha em conter a violência, contudo, não é somente dos órgãos de segurança pública. Há também uma parcela de responsabilidade por parte da família moderna e, por extensão, pode ser imputada a toda a sociedade. A moderna sociedade da metrópole onde tudo gira muito rapidamente – transportes, comunicações, relações sociais – os criminosos já se acostumaram com a “correria”.
Mas a contenção da violência não é atribuição exclusiva dos órgãos de segurança pública, porque essa contenção se dá pela prevenção e pela repressão. A mais importante é a prevenção e as instituições com maior responsabilidade nesse tocante são a família, a escola, a igreja, além de outras, como as associações, clubes etc. O Estado tem grande parcela de responsabilidade, ao permitir que tais instituições funcionem a contento. A urbanização exagerada e desordenada, a falta de creches, saneamento básico, políticas de saúde e fiscalização quanto a posturas põem a perder as noções de cidadania e civilidade. Alie-se a isso uma legislação laxista, uma degeneração dos costumes pela mídia e pela corrupção política e uma impunidade endêmica e tem-se o caldo de cultura para o afloramento da violência.
Desta forma, a violência atual não é um assunto exclusivamente da área de segurança pública. Tem tudo a ver com saúde pública, também. Primeiramente porque as estatísticas confiáveis atualmente são oriundas do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), uma vez que as mortes são o retrato mais acabado da violência. Os acidentes de trânsito matam tanto quanto os homicídios. Além disso, as internações, os atendimentos ambulatoriais, a reabilitação, as aposentadorias precoces e os milhares de vítimas que se tornam pessoas deficientes em razão de agressões e acidentes de trânsito causam enorme prejuízo para a economia do país.
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A violência mais visível é a física. Mas há outros tipos, igualmente preocupantes. Um desses tipos é a violência psicológica que, por mais difícil que seja sua comprovação, não deve ser rejeitada no âmbito jurídico. Deve haver medidas para estimular as pessoas vítimas e testemunhas a denunciar os casos, pois a omissão pode ocultar a gravidade do problema. Além disso, o fator pedagógico da responsabilização dos autores contém alto poder dissuasório em relação a potenciais infratores. Em seus vários aspectos, a violência psicológica é punida no caso dos crimes contra a honra (calúnia, injúria, difamação), ameaça, tortura e os previstos na Lei Maria da Penha. Há projeto de lei para criminalizar o bullying.

A negligência é outra forma de violência, segundo a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS). É comum a negligência, intrafamiliar principalmente, para com as crianças, idosos e deficientes físicos, além dos doentes em geral. Tratam-se de pessoas geralmente hipossuficientes no aspecto da saúde física, mobilidade ou capacidade de gerirem a própria vida. Por tais razões, quase sempre estão sujeitas a um cuidado de algum familiar próximo. Se esse familiar falha na sua incumbência ou não a cumpre com zelo, pode ocorrer a negligência, que se enquadra na espécie de violência oriunda do convívio familiar.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

QUAL REFORMA?



Recomendo a leitura de Os donos do poder, de Raymundo Faoro. Dá uma visão muito nítida do sistema patrimonialista que vigeu no país, desde o descobrimento e que ainda se faz sentir nos dias de hoje. Entendo que ainda falta muito para se atingir a condição de um Estado gerencial preconizado pelo ex-Ministro Bresser Pereira. Há muita influência política na designação de cargos importantes para a eficaz atuação da Administração Pública.
Um exemplo: políticos 'profissionais' não deveriam assumir Ministérios e Secretarias, muito menos quando perdem as eleições, a título de prêmio de consolação. Quando muito, apenas os eleitos e, ainda assim, com perda do mandato. Mesmo nessa hipótese, há a possibilidade de conchavos, o eleito assume o Ministério e seu suplente assume sua vaga e todos (eles) saem ganhando.

Não haverá reforma gerencial enquanto não houver uma reforma política de verdade.
Acredito que é preciso reformar a legislação eleitoral (política estruturadora), para muito além da ficha limpa. A maioria dos representantes no legislativo são classistas, em vez de representarem o bairro, a cidade, a região administrativa. Isso é que estreita o vínculo do representante com a comunidade, melhorando o canal de demandas da sociedade, conforme disse o professor. Assim não sendo, o mandatário classista não passa de um lobista da própria classe, atuando em causa própria. Exemplo disso (e nem é no legislativo) é que durante o governo Cristovam, ele era apoiado pela polícia militar, enquanto a polícia civil sempre apoiou o Roriz, independentemente de ele ter fomentado a migração desordenada para o DF, o que sempre gera demandas sociais reprimidas e, ao cabo, criminalidade. Então se o deputado representante da categoria articula bem ou pertence à base do governo, aquela categoria pode obter benefícios diferenciados, o que só gera mais insatisfação entre os demais.
Outra questão é o financiamento público de campanha. Se o candidato não pode se autofinanciar, ficará refém do financiador, atuando, igualmente, como lobista dele. Hoje já há financiamento público, quando os impostos garantem o fundo partidário e o encarecimento do preço dos anunciantes no período de horário eleitoral 'gratuito', custo que é suportado pelos consumidores em geral.
Donde o ideal, na minha concepção é o famoso voto distrital misto, com financiamento público de campanha, dentre outras alterações.
Outro exemplo: de há muito não se faz uma auditoria séria no bolsa-família, sendo que muita gente ganha sem se esforçar para mandar os guris para a escola. Aliás, nem isso é exigido, quando muito uma 'recomendação' para que os pais mantenham em dia a carteira de vacinação. Pior, então, quando muitos tiram os meninos da escola e os obrigam a trabalhar para complementar a renda. Sem falar nos que ficam só esperando o bolsa-família no fim do mês, pois não “aprenderam a pescar”. Tanto que o mote de qualquer campanha do governo é de que a oposição vai cortar o bolsa-família. Ora, se fosse um programa sério, o certo seria cortar mesmo, com o tempo, pois, tratando-se, conceitualmente, de uma política distributiva, não pode ser permanente. Mas eleitoralmente é uma maravilha essa política redistributiva, tirando do meu imposto o voto nos populistas.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

CONFLITOS

Conflito interpessoal é aquele que se dá entre pessoas, sejam conhecidas ou não. Desde conflitos familiares, no trabalho, de vizinhança (entre conhecidos), como os do trânsito, ou os envolvendo infrações penais (geralmente entre desconhecidos), podem gerar situações de violência. "Se um não quer, dois não brigam", diz o ditado popular. Se os conflitantes não conseguem resolver o conflito de forma pacífica, seja mediante negociação direta ou mediação, buscam a tutela estatal para resolvê-lo, por meio do Poder Judiciário. Alguns conflitos, porém, não admitem qualquer resolução pacífica, como os envolvendo ataques de delinquentes. Nesses casos, na verdade, não há um conflito, se a vítima permite ao agressor desapossá-la de um bem ou atacar sua incolumidade, por exemplo. Mas haverá o conflito, e com desfecho nem sempre feliz, em prejuízo da vítima, se ela se rebelar contra o ataque.
O acesso à Justiça nem sempre é acessível a todos. As defensorias públicas, por exemplo, podem ser consideradas como a primeira política de acesso efetivo à justiça no país. Apesar do avanço, contudo, são insuficientes para atender a demanda de assistência jurídica gratuita. No dizer de Capelletti (1974), o acesso à justiça é o mais básico dos direitos humanos, visando a garantir e não apenas proclamar os direitos de todos.
As defensorias ainda são incipientes no país, pois muitas cidades do interior não as possuem. Seu papel é muito relevante, diria que mais do que o da advocacia, vez que a essa o acesso é possível a quem dispõe do poder econômico. Já os despossuídos ou têm adefensoria a seu favor ou perdem a causa. Há casos famosos de pessoas que perderam todos os bens para pagarem advogados a fim de não sucumbirem numa causa. O correto seria prover de defensorias todos os municípios e todos terem direito a ela, cabendo ao juiz verificar se o postulante possui bens suficientes para suportar a demanda sem comprometimento de bens essenciais. 
É sabido que o Poder Judiciário utiliza um sistema de resolução de conflitos onde a ferramenta principal é a sentença. Já a mediação utiliza o acordo voluntário, com a participação de um terceiro, aproximando as partes envolvidas e incentivando as mesmas a encontrar uma solução pacífica para o problema. A mediação não estatal se torna prática e vantajosa na maioria dos casos, especialmente aqueles de menor potencial de lesividade.
A mediação de conflitos deveria ser regulamentada para permitir que em todas as instâncias, o servidor público que esteja atendendo a uma situação, seja ele policial, fiscal, profissional da saúde ou da educação etc., pudesse decidir um conflito, segundo certas regras. Haveria uma "alçada" legal para a mediação, de modo que a partir de certo patamar de valor, importância ou gravidade do interesse envolvido, o caso tivesse de ser levado à mediação das instâncias formais. As vantagens são a redução de custos e do tempo de satisfação do interesse em conflito, com reflexos na diminuição da sensação de impunidade, na redução dos processos formais e, portanto, na efetividade da Justiça.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

MALINCULIA


Poesia de Antonino Sales, linda, como as poesias de nossos cabôcos das Gerais ou repentistas do Nordeste, como Patativa do Assaré e outros. A poesia escrita conforme se fala nos grotões é peculiarmente agradável, o que lhe dá muitas possibilidades de rimas e construções belíssimas.
Isso é arte pura. Mas, das duas uma: 1) ou o autor fala assim e outro registrou o original; 2) ou ele captou a linguagem simples, mas fala conforme a norma padrão, registrando aquela como homenagem ao falante humilde. Seria atrevimento tentar reescrever o poema conforme a norma padrão...


Malinculia, Patrão,
É um suspiro maguado
Qui nace no coração!
É o grito safucado
Duma sodade iscundida
Qui nos fala do passado
Sem se torná cunhicida!
É aquilo qui se sente
Sem se pudê ispricá!
Qui fala dentro da gente
Mas qui não diz onde istá!
Malinculia é tristeza
Misturada cum paxão,
Vibrando na furtaleza
Das corda do coração!
Malinculia é qui nem
Um caminho bem diserto
Onde não passa ninguém...
Mas nem purisso, bem perto,
Uma voz misteriosa
Relata munto baxinho
Umas história sodosa,
Cheias de amô e carinho!
Seu moço, malinculia
É a luz isbranquiçada
Dos ano qui se passô...
É ternura... é aligria...
É uma frô prefumada
Mudando sempre de cô!
Às vez ela vem na prece
Qui a gente reza sozinho.
Otras vez ela aparece
No canto dum passarinho,
Numa lembrança apagada,
No rumance dum amô,
Numa coisa já passada,
Num sonho que se afindô!
A tá da malinculia
Não tem casa onde morá...
Ela veve noite e dia
Os coração a rondá!
Não tem corpo, não tem arma,
Não é home nem muié...
E ninguém lhe bate parma
Pru caso de sê quem é!
Ela se isconde num bejo
Qui foi dado há muntos ano...
Malinculia é desejo,
É cinza de disingano,
Malinculia é amô
Pulo tempo sipurtado,
Malinculia é a dô
Qui o home sofre calado
Quando lhe vem à lembrança
Passages da sua vida...
Juras de amô... isperança...
Na mucidade culhida!
É tudo o que pode havê
Guardado num coração!
É uma histora que se lê
Sem forma de ispricação!
Pruquê inda vai nacê
O home, ou mermo a muié,
Capacitado a dizê
Malinculia o qui é!!!

(gravura: O violeiro, de Almeida Júnior)

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A VISÃO DO POLICIAL

A vivência do policial é importante na hora de fazer escolhas, pois cada escolha traz consequências. Há as consequências previsíveis e as inimagináveis. Mas as consequências, oriundas das escolhas, comporão a imagem que a sociedade faz do policial e da instituição que representa. Há uma série de filmetes no canal Youtube, intitulada “Ameriquest Mortgage Company Hilarious Series of Commercials”, disponível no link  <https://www.youtube.com/watch?v=6nhbjUS_oCg>.

Os filmetes demonstram ser preciso fazer escolhas adequadas (nem sempre certas ou erradas, mas adequadas), as quais afetarão nossa imagem como pessoas, profissionais e integrantes de uma organização, que será igualmente afetada pela percepção dos indivíduos acerca da adequação de nossas escolhas para a imagem de quem representamos. Os filmetes são propagandas da Ameriquest Mortgage Company, os quais apresentam uma situação inusitada de impacto ao final, tal qual a que encontraríamos numa cena de provável crime, por exemplo. Rodado todo o vídeo, demonstra-se que na eventualidade de se presenciar apenas a cena final, a situação tida como errada, ilícita ou suspeita, não passa de um desdobramento de um evento cotidiano comum, cercado de circunstâncias que levaram àquele “pré-conceito” inicial.

A moral da história é que não devemos nos impressionar com a primeira cena, em especial o policial, o qual tem o dever de relatar o fato real e não uma impressão fragmentada dele. Esse cuidado evita muitos mal-entendidos que podem gerar constrangimentos e prejuízos consideráveis para pessoas inocentes. Como exemplo prático, há alguns anos a direção de uma escola infantil paulista, Escola Base, foi acusada de participação em pedofilia, apurando-se, depois, que as acusações eram infundadas. O delegado foi induzido pelo sensacionalismo da imprensa.

É comum em entrevistas com pessoas do povo o fato de externarem preconceitos acerca da conduta policial, especialmente quando se discute a diferença de abordagem de idosos, mulheres, gestantes e homossexuais, assim como de adolescentes do sexo masculino e do feminino.
Independentemente das condições pessoais do abordado, o policial deve ter uma conduta uniforme? Nem sempre, pois na hipótese de uma gestante, um idoso e outros casos de pessoas com mobilidade reduzida, por exemplo, a abordagem deve ser diferente, em função do respeito que devemos ter para com as circunstâncias especiais que essas pessoas enfrentam. Naturalmente a diferença de abordagem não pode induzir uma abordagem mal feita. Apesar de a ataraxia ser um valor a ser cultuado pelo policial, a condição da pessoa deve ser levada em conta no momento da abordagem. Exemplo: uma gestante que resista nunca poderá ser dominada, algemada e conduzida da mesma forma que um homem adulto sóbrio e saudável.

O filme “A troca”, por exemplo,  estrelado por Angelina Jolie, aborda a ideia da responsabilidade ética pelos nossos atos, pois o filme demonstra a falta de preparo, a preguiça e o comprometimento político dos policiais envolvidos, os quais não medem esforços para impor sua versão dos fatos. Não é incomum no ambiente policial se eleger um suspeito que se adeque ao perfil do infrator, passando-se a buscar provas para incriminá-lo, em desatendimento à observação do princípio da busca da verdade real. 

Como é variável a capacidade de compreensão da comunicação, conforme a percepção do receptor, num grupo é necessário que haja uniformidade de conceitos, para que a comunicação seja bem compreendida. É comum a utilização de linguagem por códigos no meio policial, como o alfabeto fonético internacional, a linguagem Q e, nas ações táticas, os comandos por gestos. Assim, é essencial que a mensagem seja “clara, precisa e concisa”, na medida do possível, ainda que transmitida por códigos não unívocos. A exata compreensão das ordens e comandos permite que a ação policial seja correta. Exemplos de ações desastradas temos no caso do Ônibus 174 – de cuja história foi feito um filme homônimo – e do trágico Caso Eloá.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

POLÍCIA PROTETORA



Como trabalho na área de segurança pública, por obrigação já li quase toda a coleção editada pela Edusp, “Polícia e sociedade”.
Um dos volumes é “Polícias e Sociedades na Europa”, escrito por Jean Claude Monet, no qual o autor discorre sobre os primórdios da polícia naquele continente, o que praticamente coincide com a origem da polícia.
Inicialmente, especialmente na Inglaterra, as polícias de caráter comunitário eram tidas como muito eficientes (ao contrário das brasileiras, na época do Império, o que levou à centralização). Hoje em dia, propugna-se o retorno ao modelo de polícias locais, da comunidade, o que, no nosso caso, vai ao encontro de uma visão municipalista crescente.
A ideia é de que, tudo acontecendo no município, aí é que deve tudo ser decidido, ficando para os Estados e União apenas questões de natureza macro. A própria criação das guardas municipais e a mobilização para que integrem os órgãos de segurança pública, com poder de polícia incluído, é oriundo desse pensamento, atribuído ao ex-Governador de São Paulo, Franco Montoro.
Penso que a criação das polícias municipais, a exemplo das existentes nos Estados Unidos, é uma questão de tempo. A meu ver, deve haver limitações à criação desenfreada desses organismos, sob pena de se institucionalizar os grupos de guarda pretoriana dos prefeitos do interior, que poderiam contratar jagunços e pistoleiros para serem seus guarda-costas, sem nenhum compromisso com o interesse público.
Mas é possível nos grandes centros, onde o controle externo é mais ativo, com a fiscalização da imprensa, de uma opinião pública esclarecida, do Ministério Público, da OAB, da igreja, enfim, de toda a sociedade.
Há muito tempo o Estado selecionava para as polícias os homens dotados de força muscular, porque polícia era visto como uso da força, simplesmente. Houve época em nosso país em que os soldados do Exército, excluídos a bem da disciplina, eram os homens ideais para serem integrados às polícias militares. A lógica era a de que uma pessoa indisciplinada para o Exército era bem talhada para a atividade policial truculenta.
Ainda hoje muita gente prefere os “canas duras” e “sargentões”, como paradigmas do policial eficiente.
A própria arte difunde essa ideia (vide Mercenários). No filme Guerra ao terror, há uma cena em que o comandante determina, implicitamente, que se deixe um prisioneiro ferido morrer (só se ouve o tiro, depois), enquanto um soldado se preocupa em providenciar atendimento médico. É um contexto de guerra no Iraque, mas não é incomum essa conduta no cotidiano das polícias brasileiras, infelizmente, que vai contra o conceito de polícia protetora.

Aliás, penso que em vez de Unidade de Polícia Pacificadora, que remete aos conceitos de guerra e paz, eminentemente de cunho bélico, o nome deveria ser Unidade de Polícia Protetora, mais condizente com a noção de polícia de proximidade ou comunitária.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

LIDERANDO E MOTIVANDO


Discordo um pouco quando dizem que não existe dom para liderar e motivar. Acho que é tudo uma mescla, de influência genética (dom), do caráter transmitido pelos pais, da personalidade adquirida em contato com o meio e, concordo num ponto, das oportunidades aproveitadas (porque há as que passam).  
Não acredito que o líder seja nato, mas que algumas pessoas tenham um perfil para liderar, resultado do somatório acima sugerido. Mas creio que seja possível aprender a liderar. Chefiar, qualquer um pode; mas liderar, não. Mesmo a chefia, porém, pode ser boa ou ruim. Assim, muitas vezes ficamos sujeitos a um chefe que o é só por razão hierárquica, mas nada entende de chefiar uma equipe.
Chefiar é convencer alguém a seguir seu comando; liderar é convencer alguém a comungar de suas ideias. Para isso é preciso não só ter ideias, mas arrastar os liderados pelo exemplo. Pois, se a palavra convence, o exemplo arrasta.
Um bom chefe se impõe pela competência. Um líder, pelo carisma. Geralmente o bom chefe pode ser estranho, mas um bom líder quase sempre é oriundo do meio. Tanto um bom chefe quanto um bom líder enfrentam, porém, dificuldades oriundas da cultura organizacional.
Essa cultura será tão mais prevalecente para a desagregação quanto menos a empresa ou órgão investir nos seus recursos humanos. E vice-versa.
Talvez o estilo de liderança democrática possa se aplicar a todas as situações. A bidimensional (autocrática e democrática) é um tipo de liderança bastante flexível, ora tendendo para um ora para outro estilo. Desta forma, não pode ser aplicada a todas as situações, a não ser com a adaptação necessária a cada uma. Pode ser que uma liderança 'interativa' seja a ideal, aquela em que o líder se adaptaria à situação, sempre, interagindo com os liderados, como o meio ambiente, com a situação etc.
No tocante às lideranças autocráticas e liberal, simplesmente, cada uma está no extremo dos enfoques nos processos e nas pessoas, ou, noutra dimensão, no controle rígido ou na falta total de controle.
Então, vejo que a liderança democrática é a que mais se amolda à aspiração das pessoas, de serem tratadas com respeito e consideração. É claro que uma liderança essencialmente democrática, sem pitadas de autoritarismo ou liberalismo pode trazer algumas consequências indesejáveis ao líder. Isto é, a perda do controle quando deveria ter sido mais rígido e não foi, ou o inverso, o comprometimento da influência que exerce no grupo quando deveria ter sido mais liberal.
A própria característica da liderança democrática, de ouvir e estimular a participação dos liderados, dá uma noção de que esse estilo de liderança implica um líder mais transigente e, portanto, mais apto a decidir com acerto nas mais variadas situações.
"Quase todos os homens são capazes de suportar adversidades, mas se quiser pôr à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder". (Abraham Lincoln)
"O poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente”. (Lord Acton)

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

ADMINISTRAÇÃO E CONTINGÊNCIA

No tocante às teorias da administração creio que as abordagens sistêmica, contingencial e de gestão pela qualidade se complementam, trazendo enorme vantagem competitiva para a entidade que as utiliza.

Quanto à abordagem sistêmica, por se tratar de um sistema aberto, o envolvimento com o ambiente evita a tendência á entropia, favorecendo a homeostasia e criando condições para ações morfogenéticas. Tal abordagem potencializa medidas holísticas como a equifinalidade (a busca do resultado por vários caminhos), que acaba gerando o fenômeno da sinergia (o todo sendo maior que a soma das partes).

Toda empresa moderna precisa ter alguma preocupação com as contingências, donde várias elaborarem planos de contingência, nos quais se traçam cenários e providências as serem adotadas nas hipóteses de modificações bruscas ou substanciais em termos de ambiente e tecnologia.

O gerenciamento da qualidade é outro aspecto importantíssimo nos dias atuais, pois, se o produto ou serviço fornecido é escolhido pelos clientes com base na qualidade, é preciso mantê-la, atuando nos vários níveis da administração, nas várias etapas do processo de elaboração do produto ou serviço, bem como aperfeiçoando-os mediante correção de rumos quando necessário, o que é feito por meio de constante avaliação.

Penso que tanto a abordagem contingencial quanto a gestão da qualidade levam em conta as oportunidades e ameaças, tanto no aspecto da movimentação da concorrência, quanto na evolução ou mudança das preferências dos clientes e, bem assim, da modernização tecnológica e das influências ambientais.


Assim como o mencionado plano de contingência, empresas focadas têm seus mecanismos de gerenciamento de crises, justamente para manter a qualidade, pela não interrupção de suas atividades diante de uma crise de qualquer natureza que possa afetá-las.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

POLÍCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL


Às vezes se discute sobre a legitimidade e mesmo vocação imposta às agências policiais para intervir em situações de competência institucional de outros órgãos, encaminhando casos de saúde pública, de exclusões e abandonos, situações de risco envolvendo crianças e adolescentes, conflitos domésticos e outras situações de violência em que outros órgãos não tenham. Em inúmeros desses casos os órgãos policiais são os primeiros a serem acionados para resolver o conflito.
Embora não seja propriamente atribuição dos órgãos de segurança pública, várias dessas atividades, apelidadas no dia-a-dia de “assistência social”, acabam sendo prestadas pela polícia militar, bombeiros militares e polícia civil. Normalmente quando envolvem socorro, acionam os bombeiros. Quando envolvem conflitos, buscam a polícia militar. Conforme a proximidade ou oportunidade de contatarem, chamam a polícia civil.
Enfim, isso justifica ser a polícia considerada a ultima ratio, tanto do ponto de vista dos governantes, no sentido de controlar o crime e as massas, quanto do ponto de vista dos cidadãos, ao se sentirem abandonados pelos órgãos públicos.
Isso talvez ocorra justamente porque as polícias são “aqueles que podem” subjugar alguém que esteja fazendo algo ilícito ou reprovável, no dizer de Egon Bittner (“Aspectos do trabalho policial”, Edusp).
Consta que pelo menos um quarto dos atendimentos da PM são desse tipo. Creio que em alguns lugares o índice seja ainda mais alto.
Novamente considerando não ser atribuição específica das polícias, acredito que esse tipo de atendimento deva ser mantido, por duas razões principais: 1) geralmente a polícia é acionada quando o cidadão já tentou outras formas de composição ou resolução de conflitos, seja contatando o infrator ou reclamando junto ao órgão ou agência estatal responsável pelo serviço; 2) em certa medida esse tipo de atendimento tem muita afinidade com a moderna filosofia do policiamento comunitário, isto é, envolvimento da comunidade para se autoproteger, com a ajuda da polícia.
Disso infiro que se a polícia não comparece a um incidente para resolver um conflito, o sentimento que perpassa na população é que a polícia não cumpriu seu dever e, mais, que a comunidade está abandonada.
Noutro passo, se a polícia atuar resolvendo os pequenos conflitos que “não são de sua atribuição”, em tese, estará contribuindo para a pacificação social e aumentando a sensação de segurança, pelo reconhecimento da dignidade das pessoas, fomentando, assim, o sentimento de pertencimento à comunidade e, com isso, agregando à comunidade o próprio policial, a própria polícia.
Um exemplo comum da necessidade de atuação da polícia e da sensação de abandono dos cidadãos são os inúmeros casos de barulho fora de hora. Ora é uma festa que vara a madrugada, no ritmo “tunts, tunts” (ou, o que é pior, os ritmos de bailes fanque, que do belo funk americano dos anos 80 nada têm), ora são uns bocós que gastam o que não têm para botar um som no carro que obriga toda a vizinhança a ouvir pancadão, rap ou “sertanejo universitário”... Bem, mas tirante os gostos individuais, ninguém merece ouvir da polícia que ela tem coisa mais grave a cuidar, que o incomodado deve ir à delegacia às quatro da matina registrar ocorrência, ou, ainda, o absurdo de só ser atendido se souber o nome do proprietário. 

Não é difícil entender por que o narcotráfico dominou as favelas do Rio, simplesmente por falta da presença do Estado, desde o governo do revolucionário caudilho Brizola, que proibiu a polícia de subir os morros, a fim de preservar seus dignos eleitores cativos. Hoje, todos sabem o resultado.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

LIDERANÇA E INTERAÇÃO

   Creio que seja possível a mudança no estilo de liderança. Penso que há líderes natos que têm determinado estilo e sequer percebem isso. Pode ser que uma série de contingências, contextos ou variáveis façam com que o estilo desse líder se amolde, quase por acaso, à condição dos liderados ou a outros fatores que facilitem a liderança.
   Mesmo esse líder nato, porém, pode “educar” sua liderança, adaptando-a às situações adequadamente. Nesse caso tal adaptação só pode-se dar mediante interação com os liderados. Aliás, a percepção da liderança de alguém é própria dos liderados. Então, se o líder não busca essa interação, jamais saberá qual seu estilo de liderança, sequer se é considerado líder e muito menos saberá adaptar-se para que o estilo de liderança varie na conformidade da necessidade do grupo, imposta pelas 
   Já o líder que “se construiu” tem esta percepção muito clara, de forma que tem como padrão de conduta a interação, senão não se teria tornado líder. Para ele, porém, a adaptação é mais fácil. Ocorre que o líder nato não “adota” determinado estilo. Ele “possui” esse estilo em decorrência de seu caráter, sua personalidade, donde a dificuldade em exercer outros papéis. A liderança aprendida pressupõe, portanto, que o líder é uma pessoal flexível e adaptável às diferentes situações. Isso não significa, contudo, que o líder nato não possa aperfeiçoar sua liderança e tornar-se um líder completo. Se ele tem essa consciência e decide aperfeiçoar a liderança, pode ocorrer de obter sucesso mais facilmente que um esforçado gerente que não tenha os atributos do líder.
   Talvez o estilo de liderança democrática possa se aplicar a todas as situações. A bidimensional (autocrática e democrática) é um tipo de liderança bastante flexível, ora tendendo para um ora para outro estilo. Desta forma, não pode ser aplicada a todas as situações, a não ser com a adaptação necessária a cada uma. Pode ser que uma liderança “interativa” seja a ideal, aquela em que o líder se adaptaria à situação, sempre, interagindo com os liderados, como o meio ambiente, com a situação etc.
   No tocante às lideranças autocrática e liberal, simplesmente, cada uma está no extremo dos enfoques nos processos e nas pessoas, ou, noutra dimensão, no controle rígido ou na falta total de controle.
   Então, vejo que a liderança democrática é a que mais se amolda à aspiração das pessoas, de serem tratadas com respeito e consideração. É claro que uma liderança essencialmente democrática, sem pitadas de autoritarismo ou liberalismo pode trazer algumas consequências indesejáveis ao líder. Isto é, a perda do controle quando deveria ter sido mais rígido e não foi, ou o inverso, o comprometimento da influência que exerce no grupo quando deveria ter sido mais liberal.
   A própria característica da liderança democrática, de ouvir e estimular a participação dos liderados, dá uma noção de que esse estilo de liderança implica um líder mais transigente e, portanto, mais apto a decidir com acerto nas mais variadas situações.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

COMO ESTUDAR

Quando adolescente (faz tempo!) encontrei num sebo um ótimo livro: "Como estudar", tradução de um autor americano. Depois o perdi.
No mercado há livros bons a respeito, alguns deles de um juiz carioca, William Douglas, que ensina a ser aprovado em concursos, o que ele já conseguiu em vários.
Pra quem continua tendo dificuldade de gerir o tempo, pode ser uma boa dica para "otimizar" (ô palavrinha feia) o tempo disponível.
Alguns exemplos que uso na leitura:
1) Destacar trechos do livro ou texto, sublinhando, circulando, desenhando setas (foguetes, como dizem os jornalistas), com lapiseira macia, para não borrar tudo. Tem gente que ilumina com aquelas canetinhas coloridas e fica parecendo bandeirinha de festa junina.
2) Se for um texto descartável, destacar com caneta, mesmo, para ficar bem visível.
3) Desenhar chaves } ao lado de trechos maiores, anotando alguma observação, se for o caso.
4) Fazer referência nessas chaves a outros trechos, mesmo de outros textos, ou explicar o trecho com o conhecimento adquirido.
5) Anotar erros encontrados, mesmo de impressão, o que treina a concentração e o senso crítico.
6) Destacar os termos e expressões desconhecidos ou em língua estrangeira e buscar conhecer o significado.
A estratégia para o estudo depende de o curso ser presencial ou à distância e mesmo se se trata de autodidatismo. As diferenças existentes entre os cursos presenciais e o à distância tanto podem jogar a favor como contra. Enquanto no presencial temos o compromisso com a frequência, o que nos força a uma disciplina de acompanhamento, no curso à distância a disciplina de gestão do tempo é essencial.
Um segredo para aproveitar o tempo é andar com os livros ou o material didático para onde for, mediante impressão do conteúdo das aulas e textos complementares. Assim, numa fila de banco, no carro enquanto espera as crianças ou a patroa, no shopping, enquanto ela usa nosso cartão de crédito (piada velha!), enfim, em todos os momentos possíveis de espera, é possível ler a matéria.
Mas, como "temos nosso próprio tempo", cada um tem seu ritmo, em que interferem compromissos profissionais, pessoais, visita de um parente, excesso de demanda no trabalho e outras intercorrências. Nem sempre é possível, porém, não deixar para amanhã o que se pode fazer hoje. Entretanto, se há tempo disponível a regra é extremamente válida. Deixar para a última hora pode gerar aquele caos quando há qualquer apagão, na internet, no trânsito ou literalmente, quando falta luz.
Algumas pessoas tendem a ser mais produtivas em horários específicos. Mas essa questão de horário de produtividade depende de uma série de fatores, a meu ver. Um deles é o hábito. Se o sujeito gosta de um happy hour ou bater uma bolinha toda tarde, seu organismo vai se condicionar a se preparar para isso e aí, adeus concentração.
Tem gente que trabalha melhor noite adentro. Com certeza o trabalho ou estudo à noite ou de madrugada traz melhores condições de concentração, pelo silêncio, ausência de perturbação de colegas ou clientes, ou interferência de familiares e do chefe.
Gosto de trabalhar ou estudar ouvindo música (blues ou rock progressivo, de preferência) e esse costume me permite concentrar mesmo havendo barulho. Talvez por isso, não tenho um horário certo para melhor rendimento. Acho que depende de outras condições ambientais, do estado do próprio organismo, de certa paz interior advinda de uma boa harmonia familiar e profissional e, talvez o mais determinante, da pressão decorrente do volume de trabalho ou estudo, da premência do tempo para terminá-lo ou de um chefe que não tem noção do tempo certo para cada coisa.
Lembro, a propósito, duas frases:
“O pessimista queixa-se do vento, o otimista espera que ele mude e o realista ajusta as velas”. (Willian George Ward)

“Tente de novo, fracasse de novo, fracasse melhor”. (Samuel Beckett)

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

RESENHA: O GIGOLÔ DAS PALAVRAS

          O texto de Luís Fernando Veríssimo, O gigolô das palavras, extraído da 8ª edição da L&PM (Porto Alegre, 1982), é um aperitivo do humor refinado do escritor gaúcho.
          Veríssimo, nascido em 1936 em Porto Alegre, é filho do também escritor e diplomata Érico Veríssimo. Tem dezenas de obras publicadas, dentre as quais a mais conhecida é a da personagem “analista de Bagé”. Tendo vivido nos Estados Unidos, possui uma intimidade com a língua portuguesa que lhe permite atuar em várias frentes da ficção com a verve humorística que lhe caracteriza. Desta forma, escreveu para a televisão (A comédia da vida privada), quadrinhos (As cobras), uma série sobre o detetive Ed Mort, além de textos de culinária (a série Traçando...), dentre outros. Saxofonista nas horas vagas, mantém regularmente colunas em vários jornais do país.
          No texto, em que conta como atendeu a estudantes que queriam sua opinião sobre a importância da gramática, Veríssimo faz um paralelo com a vida de um gigolô, considerando suas palavras como prostitutas. Defendendo um conhecimento básico de gramática, que o autor chama de esqueleto da língua, metaforicamente diz maltratá-las, viver abusando delas, pois, se um escritor as respeitasse, com a deferência de um relacionamento afetivo, se tornaria refém das regras gramaticais.
          Em sua obra Veríssimo retrata o cotidiano e, mais que isso, o linguajar popular, sem descurar de dar pinceladas do rico regionalismo sul-riograndense. Mas o que mais lhe é típico é o fino humor que transparece em toda a produção. No texto em análise, Veríssimo traça um paralelo entre o modo violento, negligente e ao mesmo tempo dominador com que o cafetão trata seu “plantel”, isto é, as prostitutas, com a forma com que ele próprio procura dominar as palavras, deixando as regras gramaticais complexas em segundo plano.

          Ao que tudo indica, é seu trunfo para não ser incomodado pelos puristas. Para utilizar uma metáfora futebolística, tão ao gosto do brasileiro, é como se fosse o craque, que não trata a bola por “Excelência” e, portanto, faz a alegria da torcida. Para a torcida de leitores Veríssimo bate um bolão!

terça-feira, 1 de setembro de 2015

FALARES

A variação linguística é constituída pelos diversos falares de um grupo que fale a mesma língua. Se a diferença na forma de falar é muito acentuada, tem-se o dialeto. Assim, as formas de falar do brasileiro, do português e do angolano seriam variações linguísticas mais pronunciadas, pois, às vezes um tem certa dificuldade de compreender o outro. Já o falar de Guiné Bissau, por exemplo, é quase um dialeto, pois a variação não se dá só no falar, mas no próprio léxico, muito influenciado pelas línguas nativas.
As variações linguísticas mais comuns são as de natureza espacial ou geográfica, situacional e cronológica. Na geográfica as mais sutis constituem o sotaque, em que também há diferença de vocabulário e pronúncia, mas a estrutura da língua é mantida. 
Assim, no Brasil, temos sotaques mais comuns o nordestino, o carioca e o sulista, especialmente o gaúcho. Há aproximação de um falar amazônico com o nordestino, com ligeiras variações que só os estudiosos diferenciam com facilidade, como o jeito baiano ou maranhense de falar, este, acentuando o dígrafo "nh". No sotaque sulista, há o jeito paulista-mineiro e em certa medida, goiano e matogrossense de falar. O jeito paranaense, parecido com o paulista, tem forte influência da imigração européia, especialmente no sudoeste e em Curitiba. O jeito catarinense aglutina certo chiado parecido com o carioca, oriundo dos açoreanos, mas com certa influência do imigrante, o que lhe dá uma característica incomum, com muito uso da segunda pessoa do singular. Esse uso também é mais comum entre os nordestinos que entre outros brasileiros. Já o gaúcho, tal qual o nordestino, é inconfundível, se comparado ao paulista-mineiro ou o carioca. 
Diria que o falar paulista puxa o erre como o inglês, enquanto o carioca e o nordestino, como o francês. O jeito carioca, de certa forma, é o falar mais disseminado, ou mais facilmente assimilado, o que deve ter origem tanto na prevalência da cultura da corte, com a influência do português de Portugal, quanto na própria difusão aos estrangeiros de ser esse o jeito de falar brasileiro. Parece que o falar gaúcho teve forte influência dos povos platinos, sendo comum no falar coloquial o uso da segunda pessoa (tu) com a conjugação verbal na terceira (tu vai).
A variação linguística situacional, também chamada de registro linguístico, leva em conta o contexto, a forma de expressão conforme o interlocutor seja uma criança, um chefe, um serviçal, se esteja num evento científico ou numa roda de amigos. Uma forma de variação situacional é aquela oriunda das gírias e jargões. 
A gíria é formada por termos e expressões comuns em cada grupo geracional, por influência dos chamados guetos de fala inculta, que é a forma coloquial de falar mais distante da norma culta, ou padrão da comunicação escrita. Assim, a cada geração surgem gírias novas, que se tornam obsoletas e são substituídas pelas gírias da próxima geração.
O jargão é uma forma de falar que usa termos e expressões próprias de determinado grupo que mantém afinidade por uma atividade comum, como o jargão científico, o jurídico, o policial, o médico etc.
Outra variação linguística, a cronológica, leva em conta as diferenças geracionais, de modo que, sendo a evolução da língua cada vez mais dinâmica, tal implica diferentes formas de falar entre jovens, adultos e idosos, por exemplo.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

PÍLULAS

Uma das frases machistas que se ouve quando o tema é violência contra a mulher: "o homem não sabe porque está batendo, mas a mulher sabe porque está apanhando".
Este pensamento denota o machismo sem causa que perpassa, ainda, a cultura mundial, especialmente a ocidental.
Isso significa, na visão errada com a qual não compactuo, evidentemente, que o homem não sabe porque bate em razão de isso ser uma herança cultural. É como se fizesse aquilo por instinto. Já a mulher sabe porque apanha, isto é, ela foi feita para ser submissa; e apanhar é uma forma de se colocar nessa situação.
Isto está tão arraigado que até no início da Bíblia se diz que Deus condenou a mulher à submissão.
O fundamentalismo religioso, uma das características da dissolução de valores na complexidade social atual é um forte exemplo. A burka está aí para com
provar que a mulher ainda é vista como um ser inferior em muitos lugares.
... 
O ditado segundo o qual "o homem é produto do meio" trata-se de senso comum e, portanto, não tem aplicação científica. É uma constatação que ocorre na maioria das vezes, mas creio que a influência do meio não seja determinante do comportamento.
Acredito na influência da carga genética (aí estaria Lombroso?) para a formação da personalidade que, a meu ver, também, é influenciada pelos cuidados da primeira infância. Alguns cientistas dizem até que o feto tem sensibilidade e reage a manifestações carinhosas dos pais.
Então, parece-me que o tema não pode ser visto de forma exclusivista. Depende até da fase em que a influência do meio se manifesta.
Um bebê mal-amado, espancado, mal-cuidado, provavelmente vai ter uma personalidade doentia, rodeada de medo, insegurança e talvez até um desejo atávico de vingança contra o seu agressor. Daí para a desobediência, a rebeldia e o ingresso no mundo do crime é um passo.
Já um adolescente que sempre viveu num ambiente de respeito recíproco, se jogado num meio vicioso, dificilmente se corromperá. Temos bons exemplos de pessoas que crescem nesses ambientes e não se tornam bandidos, mas pessoas respeitáveis.
...
É sabido que há uma tendência da mídia em dourar a pílula com relação às lideranças das "comunidades", isto é, o traficante que paga o botijão de gás da Dona Maria, o remédio da mãe dela, mas, ao mesmo tempo, alicia o seu filho adolescente para ser fogueteiro.
É como se quisessem resgatar a figura poética do malandro das primeiras décadas do século passado, que usava uma navalha, usava roupa de linho, falava manso e enganava os trouxas.
Hoje é AK 47 que o "Leviatã paralelo" utiliza para impor sua vontade, sem "democracia" ou "participação popular", com um código de leis muito mais severo que o do Estado verdadeiro.
As milícias nada mais são que bandidos travestidos de justiceiros que, a título de exterminar os demais bandidos, cometem outros crimes, extorquindo as populações e impondo o terror da mesma forma.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

PREDISPOSIÇÃO AO CRIME



Creio que não haja alguém predestinado, biologicamente, para o crime. Mas especula-se que hajam aqueles geneticamente propensos a comportamentos agressivos, o que poderia dar origem a crimes. Essa tese encontra respaldo nas predisposições genéticas para certas doenças. Como sabemos que há doenças psíquicas, que afetam o comportamento, não seria surpresa os cientistas descobrirem algum gene da agressividade.
Fazendo uma analogia com o senso comum de que muitos pobres tendem ao crime, podemos traçar um paralelo. Segundo Luiz Tadeu Viapiana, em Economia do crime, citando vários autores estrangeiros, especialmente Gary Becker, a pobreza não leva ao crime, mas dentre o universo de criminosos há um contingente grande de pobres, talvez levado a esse modo de vida extremo dadas as parcas condições em que vivem e à falta de oportunidade de crescimento na atividade legal. O autor explica que não há uma tendência do pobre em ser criminoso, mas a predisposição que o meio ambiente lhe proporciona favorece seu ingresso no mundo do crime.
O mesmo raciocínio poderia ser aplicado aos negros e pardos, maioria absoluta dos processados, condenados e presos no Brasil. Não existe em relação a tais pessoas tendência ao crime, mas como as leis penais foram construídas para conter os “grupos perigosos”, isso implica sua aplicação à parcela da população mais pobre que, infelizmente, em sua maioria é composta pelos negros e pardos. E isso vem desde a libertação dos escravos, quando os pretos libertos não tinham ocupação, levando alguns a cometer pequenos delitos para sobreviver, passando daí a integrar as “classes perigosas”,  objeto de repressão continuada desde então.
Donde alguns cientistas sociais defenderem, no âmbito das ações afirmativas, a cota para pobres e não para negros, que abrangeria, por essa lógica, a maioria dos negros e evitaria beneficiar negros ricos e deixar de beneficiar brancos pobres. Mas este é outro assunto.
Voltando ao tema, as religiões espiritualistas que admitem a reencarnação (ou metempsicose e outras formas de crença na revivência da alma no mundo físico) defendem que muitos renascem com a predisposição para situações de conflito, visando ao resgate de dívidas morais passadas. Entretanto, segundo algumas dessas religiões, existe um determinismo, ou seja, a pessoa estaria fadada a passar por determinadas experiências (matar ou ser morto por alguém, por exemplo, o que é mais fácil de ocorrer em ambientes conflituosos), isto é, o destino conformaria a vida da pessoa. Outras acreditam que, apesar da predisposição, existe certo livre arbítrio que levariam as pessoas a escolherem seu caminho.
Tirante a questão religiosa, que é muito polêmica e carente de evidências científicas, naturalmente, poderíamos admitir, em tese, que alguém com uma carga genética agressiva pode vir a ser ou não agressivo, dependendo das condições do meio e da formação do caráter do indivíduo.
Há uma frase, não sei se do poeta Mário Quintana, segundo a qual não estamos livres apenas de duas coisas: da morte e de fazer escolhas. Então, acredito que as escolhas são sempre possíveis, haja influência biológica ou do meio.

Mas não concordo que as influências biológicas, se houver, possam ser em relação a medidas ou características físicas do corpo, como defendia Lombroso, mas de caráter genético. Assim, não é porque alguém é feio que tende ao crime, pois sabemos que há muitos bonitões de extensa folha corrida por aí.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

CARTA A UM AMIGO NO NEPAL

Caro amigo,          
               Enfim lhe encontrei, após vinte e tantos anos. Soube que você tinha saído do Brasil descontente com a nova ordem constitucional, decidindo ser monge! Estranhei sua escolha, mas, enfim, passado todo esse tempo, tenho de lhe dar razão, parcialmente.
                Olhe que o texto constitucional tentou moralizar a administração pública, inserindo os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e um sem número de regras, além daquelas que surgiram no âmbito infraconstitucional. O mesmo se deu com os direitos fundamentais, logo ali no art. 5º, com o que se procurou resgatar a cidadania depois de tanto tempo de regime de exceção. Assim, temos, pelo menos em caráter programático, vários direitos e garantias até então esquecidos, muitos vazados em princípios básicos como o de que ninguém é obrigado a fazer algo senão em virtude de lei, o devido processo legal, a proibição de prisões arbitrárias e outras.
          Como lhe dizia, enveredei pelo caminho da segurança pública, onde atuo. Neste tema, a Constituição afirma que segurança pública é “dever do estado, direito e responsabilidade de todos”. Então, veja, a insegurança em que vivemos hoje (você deve acompanhar o noticiário) deve-se, em grande parte, à falência do Estado em prover segurança aos cidadãos e esse estado de segurança é um direito nosso. Muita gente, porém, não vê o outro lado da moeda, eximindo-se de qualquer responsabilidade pela construção de uma sociedade segura.
  Aliás, o brasileiro é conhecido pelo seu “jeitinho”, que significa abrir mão dos processos regulares de interação social, usando do poder econômico, político ou social para obter favores legais. E ainda usam o pobre Gerson (lembra, o “Canhotinha de Ouro” da Copa de 70?), denominando de “Lei de Gerson” nossa mania de levar vantagem em tudo.
  Ora, como diz Lazzarini, um administrativista patrício nosso, a ordem pública tendo três dimensões, da salubridade pública, da tranquilidade pública e da segurança pública, entendo que numa crescente ordem de responsabilidade e comprometimento, os órgãos de segurança pública estão presentes em todas as dimensões. Na primeira, na medida em que secunda os órgãos da Administração Pública no exercício de seu poder de polícia. Na segunda, realizando o policiamento preventivo, com sua presença e, na terceira, efetuando a preservação da ordem pública, traduzida em ações efetivas para a repressão a atos contrários às normas e convenções sociais e retorno à normalidade da paz social.
  Dito isso, parece muito prosaica a atividade de segurança pública, mas não é bem assim. A criminalidade está cada vez mais ramificada na sociedade, astuta, usando aparatos tecnológicos e imbricada nos meandros do poder, o que nos torna reféns, não só dos bandidos, mas de nós mesmos. Enquanto alguns deles ficam trancados nos presídios, são livres para fazer grassar a violência no país, nós, livremente presos em nossas casas, ficamos à mercê dos que nos “mandam”, mandados por eles.
  Você, “iluminado” pelo reflexo do sol nas neves do Himalaia talvez não saiba o que acontece nestes tristes trópicos.
  Mas como dizem por aqui, sou brasileiro e não desisto nunca! Como otimista incorrigível, digo que isto aqui é uma maravilha! Não quer voltar?
   Um abraço do amigo, Rocha.
P.S.: Interessante como Nepal é um acrônimo de Penal. Então, estamos de alguma forma unidos nessa empreitada!

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

O RIGOR DA LEI

Penso que nós temos leis suficientemente rigorosas na maioria dos casos que exigem tal rigor. embora muita gente alegue que nossas leis são brandas demais.
Então, vamos lá. Se as leis são rigorosas, não são brandas. Quanto a existirem brechas, concordo; e isso é resultado de como se dá o processo legislativo. Há muitos legisladores que atuam segundo suas convicções ideológicas, econômicas e até baseados no senso comum, como aquele de que “bandido bom é bandido morto” e outras pérolas.
Como na área de direito penal, direito processual penal e segurança pública atuam muitos deputados oriundos dos órgãos de segurança pública, geralmente há esse viés de “lei e ordem” a perpassar a feitura das leis.
Houve progressos recentes, como certa despenalização de vários crimes, com a Lei dos Juizados Especiais. Bem antes, houve a criação das penas alternativas, que propiciaram o surgimento da Justiça Especial.
Entretanto, no Brasil nós temos o sistema de progressão de penas, inexistente nos Estados Unidos, por exemplo. Ainda assim, a regra é única, aplicável a qualquer tipo de crime, quando poderia variar conforme a natureza do crime, mais gravosamente conforme a maior quantidade de pena aplicada e outros critérios de equidade.
Por outro lado, os estabelecimentos penais são um caos, salvo honrosas exceções, das quais cito Brasília.
Essa circunstância leva os juristas e advogados em geral a rejeitar o regime disciplinar diferenciado, por exemplo.
Entendo que houve retrocessos, também, como a inexigência do parecer da Comissão Técnica de Classificação (CTC), a partir de 2003, para obtenção de favores legais, como a progressão de regime.
Diz-se, igualmente, que as leis não são suficientemente difundidas para toda a população. Concordo que é um problema, pois nem todo mundo tem acesso ao Diário Oficial ou à internet, onde as leis estão publicadas. Assim, cada lei, ou pelo menos as que afetam mais diretamente a população, poderiam ser publicadas num jornal de grande circulação.