CICLO COMPLETO DE POLÍCIA
CLAUDIONOR ROCHA
Consultor Legislativo da Área XVII – Segurança Pública e Defesa Nacional, da Câmara dos Deputados
1 INTRODUÇÃO
Os órgãos policiais
consistem naqueles arrolados no caput
do art. 144 da Constituição, sendo três de nível federal e 54 de nível
regional, ou seja, 27 polícias militares (PM) e 27 polícias civis (PC) nos
Estados e no Distrito Federal. No nível local (municipal) é facultada a criação
de guardas municipais que, se possuem o poder de polícia administrativa, não
são considerados órgãos policiais propriamente ditos.
Quadro 1 – Esquema
das polícias brasileiras.
Polícias brasileiras |
Natureza |
||
Civil |
Militar
|
||
Esfera |
Federal |
Polícia federal |
- |
Polícia rodoviária federal
|
- |
||
Polícia ferroviária federal |
- |
||
Estadual |
Polícia civil |
Polícia militar |
Fonte: elaboração do autor.
Releva
indagar se tal sistema e seus subsistemas funcionam a contento, em especial o
de segurança pública. Suspeita-se que não. Tanto é assim, que desde a
redemocratização, quando foram mantidas as estruturas policiais então vigentes,
se propugna pela sua mudança, como paliativo para enfrentar a insegurança.
Ora apontam-se fatores sociais
previsíveis para o aumento da criminalidade, como o crescimento vegetativo, o
êxodo rural, o adensamento das grandes cidades; ora fatores econômicos, como a
desigualdade social, o desemprego; ora a baixa qualidade de políticas públicas
tendentes a melhorar o padrão de vida, como transporte, saúde, educação,
habitação; ora a ineficácia da justiça, gerando impunidade, distorções,
punitivas seletivas, altamente criminogênicas; ora a corrupção que grassa no
ambiente político; ora variáveis de natureza cultural, tecnológica, psíquica e
um enorme et cetera.
E o que fazem os órgãos
responsáveis por administrar esse caos é algo ainda desconhecido da maioria da
população, diante da falta de transparência que impera no sistema de justiça
criminal, a preservação da lógica da defesa de interesses corporativos e a
resistência a mudanças estruturais. Opta-se, portanto, por propostas cosméticas
que o calendário da arena eleitoral estimula e a mídia sensacionalista ingênua
ou naturalmente repercute, dada sua afinidade com o espalhafato.
Dentre
as várias ideias surgidas ao longo do tempo, a mais persistente consiste na
alteração do modelo de polícia. Tal alteração pressupõe analisar qual o modelo
de policiamento adequado para a realidade brasileira.
- Seria adotar polícias estaduais
únicas, ou manter como está, com o seccionamento entre uma fase da atividade
policial, consistente no policiamento preventivo, teimosamente chamado de ‘ostensivo’,
a cargo da polícia militar; e uma fase de polícia repressiva – ou investigativa
– a polícia civil? Nesse caso, é bom lembrar que a cúpula da PM é contra a unificação.[1]
- Seria dotar as polícias
do ciclo completo, eliminando o seccionamento por fases, mas mantendo a
dualidade policial? Essa é a bandeira da moda defendida pelo alto escalão
militar.[2]
- Seria a desmilitarização
das polícias militares, apregoada por organismos internacionais? Os altos
escalões da PM são também contra a desmilitarização.
- Seria favorecer o
recrutamento endógeno nas polícias de caráter civil? A Constituição proíbe, mas
para as forças militares é permitido.
- Seria estabelecer
mandatos para os chefes de polícia? Essa medida atenua a ingerência política e
a corrupção.[3]
- Seria criar a polícia
penal? Ela existe, não com esse nome, na área federal, o Departamento
Penitenciário Nacional (Depen).
- Seria conferir poder
repressivo à Polícia Rodoviária Federal (PRF)?
- Seria municipalizar de
vez a polícia? A PM é contra!
- Seria, enfim, constitucionalizar
a Força Nacional de Segurança Pública, ‘órgão’ esdrúxulo ‘criado’ pela União ao
arrepio dos ditames constitucionais utilizando efetivos estaduais?
Enfim, várias são as hipóteses
possíveis. Algumas delas passam, necessariamente, pela prévia alteração
constitucional da temática. Outras poderiam ser implementadas por lei
ordinária. Todas esbarram nos interesses contraditórios das corporações
interessadas. Mas a situação é muito confortável para sindicalistas e
parlamentares que brandem bandeiras pela solução da insegurança enquanto ela é
incrementada diariamente.
Enquanto a PC reclama que a PM não previne, dada a quantidade de
flagrantes que produz, a PM apregoa que a PC não dá conta do trabalho que ela,
a PM, leva às delegacias; enquanto a academia obtempera que a resolutividade
dos casos é pífia, a PC justifica com o escasso efetivo; enquanto se diz que a
PF não faz prevenção e atua seletivamente, ela segue com suas ‘operações’,
atraindo a simpatia da população; enquanto agentes pugnam pela carreira única –
melhor seria dizer cargo único – para ascenderem ao comando da corporação, os
delegados querem ser juízes e são agora tratados por Excelência; e para
confundir ainda mais, em vez de se discutir os assuntos da moda há poucos anos,
desmilitarização da PM ou sua unificação com a PC, se sugere agora a adoção do
ciclo completo para todas, o que é alardeado como a solução mágica que
coarctará as disputas e restituirá a tranquilidade à sociedade.
Mas é preciso se despir dos corporativismos. Será que a pletora de
casos levados à polícia civil pela polícia militar – falha na prevenção? – não
estaria criando uma demanda reprimida por investigação, em que a hipótese de ‘enxugar
gelo’ não passa da necessidade de se estabelecer prioridades, que logo serão
superadas pelas próximas? Será que algumas escalas generosas existentes nas
polícias não seriam um dos fatores para a escassez de pessoal? Mas quem há de
suprimi-las? Será que os gestores das polícias levam em conta critérios técnicos
para lotação de policiais conforme os índices de criminalidade?
E
quando se passará do policiamento reativo para o proativo? Quando a polícia
comunitária deixará de ser vitrine para se tornar filosofia de policiamento?
Quando a PC deixará de fazer prevenção e a PM deixará de fazer investigação?
Quando a lotação e remoção de comandantes e delegados-chefes deixará de ter
influência política? Quando a remuneração dos policiais será equânime? Quando o
fluxo de carreira será previsível e atraente? Até quando as estatísticas
policiais serão segredo profissional? Há muitos ‘serás’ e outros tantos ‘quandos’
aguardando resposta...