CICLO COMPLETO DE POLÍCIA
CLAUDIONOR ROCHA
Consultor Legislativo da Área XVII – Segurança Pública e Defesa Nacional, da Câmara dos Deputados
1 INTRODUÇÃO
Os órgãos policiais
consistem naqueles arrolados no caput
do art. 144 da Constituição, sendo três de nível federal e 54 de nível
regional, ou seja, 27 polícias militares (PM) e 27 polícias civis (PC) nos
Estados e no Distrito Federal. No nível local (municipal) é facultada a criação
de guardas municipais que, se possuem o poder de polícia administrativa, não
são considerados órgãos policiais propriamente ditos.
Quadro 1 – Esquema
das polícias brasileiras.
Polícias brasileiras |
Natureza |
||
Civil |
Militar
|
||
Esfera |
Federal |
Polícia federal |
- |
Polícia rodoviária federal
|
- |
||
Polícia ferroviária federal |
- |
||
Estadual |
Polícia civil |
Polícia militar |
Fonte: elaboração do autor.
Releva
indagar se tal sistema e seus subsistemas funcionam a contento, em especial o
de segurança pública. Suspeita-se que não. Tanto é assim, que desde a
redemocratização, quando foram mantidas as estruturas policiais então vigentes,
se propugna pela sua mudança, como paliativo para enfrentar a insegurança.
Ora apontam-se fatores sociais
previsíveis para o aumento da criminalidade, como o crescimento vegetativo, o
êxodo rural, o adensamento das grandes cidades; ora fatores econômicos, como a
desigualdade social, o desemprego; ora a baixa qualidade de políticas públicas
tendentes a melhorar o padrão de vida, como transporte, saúde, educação,
habitação; ora a ineficácia da justiça, gerando impunidade, distorções,
punitivas seletivas, altamente criminogênicas; ora a corrupção que grassa no
ambiente político; ora variáveis de natureza cultural, tecnológica, psíquica e
um enorme et cetera.
E o que fazem os órgãos
responsáveis por administrar esse caos é algo ainda desconhecido da maioria da
população, diante da falta de transparência que impera no sistema de justiça
criminal, a preservação da lógica da defesa de interesses corporativos e a
resistência a mudanças estruturais. Opta-se, portanto, por propostas cosméticas
que o calendário da arena eleitoral estimula e a mídia sensacionalista ingênua
ou naturalmente repercute, dada sua afinidade com o espalhafato.
Dentre
as várias ideias surgidas ao longo do tempo, a mais persistente consiste na
alteração do modelo de polícia. Tal alteração pressupõe analisar qual o modelo
de policiamento adequado para a realidade brasileira.
- Seria adotar polícias estaduais
únicas, ou manter como está, com o seccionamento entre uma fase da atividade
policial, consistente no policiamento preventivo, teimosamente chamado de ‘ostensivo’,
a cargo da polícia militar; e uma fase de polícia repressiva – ou investigativa
– a polícia civil? Nesse caso, é bom lembrar que a cúpula da PM é contra a unificação.[1]
- Seria dotar as polícias
do ciclo completo, eliminando o seccionamento por fases, mas mantendo a
dualidade policial? Essa é a bandeira da moda defendida pelo alto escalão
militar.[2]
- Seria a desmilitarização
das polícias militares, apregoada por organismos internacionais? Os altos
escalões da PM são também contra a desmilitarização.
- Seria favorecer o
recrutamento endógeno nas polícias de caráter civil? A Constituição proíbe, mas
para as forças militares é permitido.
- Seria estabelecer
mandatos para os chefes de polícia? Essa medida atenua a ingerência política e
a corrupção.[3]
- Seria criar a polícia
penal? Ela existe, não com esse nome, na área federal, o Departamento
Penitenciário Nacional (Depen).
- Seria conferir poder
repressivo à Polícia Rodoviária Federal (PRF)?
- Seria municipalizar de
vez a polícia? A PM é contra!
- Seria, enfim, constitucionalizar
a Força Nacional de Segurança Pública, ‘órgão’ esdrúxulo ‘criado’ pela União ao
arrepio dos ditames constitucionais utilizando efetivos estaduais?
Enfim, várias são as hipóteses
possíveis. Algumas delas passam, necessariamente, pela prévia alteração
constitucional da temática. Outras poderiam ser implementadas por lei
ordinária. Todas esbarram nos interesses contraditórios das corporações
interessadas. Mas a situação é muito confortável para sindicalistas e
parlamentares que brandem bandeiras pela solução da insegurança enquanto ela é
incrementada diariamente.
Enquanto a PC reclama que a PM não previne, dada a quantidade de
flagrantes que produz, a PM apregoa que a PC não dá conta do trabalho que ela,
a PM, leva às delegacias; enquanto a academia obtempera que a resolutividade
dos casos é pífia, a PC justifica com o escasso efetivo; enquanto se diz que a
PF não faz prevenção e atua seletivamente, ela segue com suas ‘operações’,
atraindo a simpatia da população; enquanto agentes pugnam pela carreira única –
melhor seria dizer cargo único – para ascenderem ao comando da corporação, os
delegados querem ser juízes e são agora tratados por Excelência; e para
confundir ainda mais, em vez de se discutir os assuntos da moda há poucos anos,
desmilitarização da PM ou sua unificação com a PC, se sugere agora a adoção do
ciclo completo para todas, o que é alardeado como a solução mágica que
coarctará as disputas e restituirá a tranquilidade à sociedade.
Mas é preciso se despir dos corporativismos. Será que a pletora de
casos levados à polícia civil pela polícia militar – falha na prevenção? – não
estaria criando uma demanda reprimida por investigação, em que a hipótese de ‘enxugar
gelo’ não passa da necessidade de se estabelecer prioridades, que logo serão
superadas pelas próximas? Será que algumas escalas generosas existentes nas
polícias não seriam um dos fatores para a escassez de pessoal? Mas quem há de
suprimi-las? Será que os gestores das polícias levam em conta critérios técnicos
para lotação de policiais conforme os índices de criminalidade?
E
quando se passará do policiamento reativo para o proativo? Quando a polícia
comunitária deixará de ser vitrine para se tornar filosofia de policiamento?
Quando a PC deixará de fazer prevenção e a PM deixará de fazer investigação?
Quando a lotação e remoção de comandantes e delegados-chefes deixará de ter
influência política? Quando a remuneração dos policiais será equânime? Quando o
fluxo de carreira será previsível e atraente? Até quando as estatísticas
policiais serão segredo profissional? Há muitos ‘serás’ e outros tantos ‘quandos’
aguardando resposta...
2
CICLO COMPLETO
O ciclo completo de polícia, sonho de consumo dos
policiais militares, já que as polícias civis de certa forma o fazem, seria
automaticamente adotado. Certo que o ciclo completo não significa que o mesmo
policial que efetuava a prevenção vá executar a prisão ou investigar o evento,
formalizar os atos procedimentais e dar por finda a persecução criminal no
âmbito policial. Pode-se admitir circunstâncias especiais em que isso pudesse
ocorrer, como acontece com os gendarmes
franceses, quando a guarnição da polícia em determinada localidade é muito
pequena.[4]
A completude do ciclo refere-se ao organismo policial, sendo que as várias
fases podem ser executadas por policiais diferentes, mas dentro de uma mesma
lógica de continuidade, pois que realizada no âmbito do mesmo órgão, e não de
forma estanque como atualmente são conduzidas tais fases.
Rondon
Filho (2003) traz algumas reflexões acerca do que seja o ciclo completo de
polícia, nos seguintes termos:
Na década de 20 do século passado, também no Estado de São Paulo, foi
criada a Guarda Civil integrando os quadros da polícia civil (disciplina
militar) propiciando neste caso o desempenho do ciclo completo de polícia.
Enfim, existem inúmeros
pontos a se discutir quando se fala dos organismos policiais, entretanto o foco
principal desta pesquisa é o ciclo policial, citado no Plano de Segurança
Pública para o Brasil, elaborado por equipe de gestores do atual Governo
Federal, como adiante transcrevemos:
As mudanças mais profundas na segurança pública, que demarcarão o fim do
modelo de polícia criado nos períodos autoritários, exigem o estabelecimento de
um novo marco legal para o setor de segurança. [...] As polícias estaduais de ciclo completo, produtos do novo marco
constitucional, têm como base o Sistema Único de Segurança Pública, iniciado
pelos governos estaduais e federal, e suas interfaces com os municípios (Plano de Segurança
Pública para o Brasil, 2003, p. 52) [grifo nosso].[5]
Importante frisar que “por polícia completa entende-se aquela que
executa todas as fases da atividade policial: prevenção, repressão, investigação
e apuração dos crimes”, ficando assim definido o ciclo completo de
polícia por Silva (2003: 417).
Da mesma forma, Giulian (1998, p. 31) definiu o ciclo completo de polícia
da seguinte forma:
O ciclo completo de polícia
compreende a prevenção, a manutenção e a restauração da Ordem Pública, ou seja,
desde o início do delito, passando pela sua prisão, seja pela Polícia
Administrativa ou Judiciária, até sua apresentação à justiça e MP criminal, até
a final e justa absolvição ou condenação, finalizando no sistema penitenciário.
(RONDON FILHO, 2003, passim).
As Propostas de Emenda à
Constituição (PEC) que tratam do ciclo completo em tramitação na Câmara dos
Deputados, são as seguintes:
- PEC 430/2009, do Deputado Celso Russomanno[6]
– Altera a Constituição Federal para dispor
sobre a Polícia e Corpos de Bombeiros dos Estados e do Distrito Federal e
Territórios, confere atribuições às Guardas Municipais e dá outras
providências. Cria a nova Polícia do Estado e do Distrito Federal e
Territórios, desconstituindo as Polícias Civis e Militares. Desmilitariza os
Corpos de Bombeiros Militar que passa a denominar-se: Corpo de Bombeiros do
Estado e do Distrito Federal e Territórios, e institui novas carreiras, cargos
e estrutura básica. Apensadas e subapensadas as PEC 432/2009, 321/2013, 423/2014, 431/2014, 127/2015, 89/2015 e 198/2016.
-
PEC 432/2009, do Deputado Marcelo
Itagiba – Unifica as Polícias Civis e Militares dos Estados e do Distrito
Federal; dispõe sobre a desmilitarização dos Corpos de Bombeiros; confere novas
atribuições às Guardas Municipais; e dá outras providências. Cria a Polícia e
Corpo de Bombeiros dos Estados, Distrito Federal e Territórios e o Corpo de
Bombeiros, e institui novas carreiras, cargos e estrutura básica. Apensada à
PEC 430/2009, tem apensada a PEC 321/2013.
- PEC 423/2014, do Deputado Jorginho
Mello – Altera dispositivos da Constituição Federal para permitir à União e aos
Estados a criação de polícia única e dá outras providências. Prevê o ciclo
completo de ação policial na persecução penal e da ação de bombeiro; altera a
denominação das polícias militares para forças públicas estaduais e do Distrito
Federal e Territórios e do corpo de bombeiros militares para corpo de bombeiros
dos Estados e Distrito Federal e Territórios. Apensada à PEC 430/2009.
-
PEC 431/2014, do Deputado Subtenente Gonzaga – Acrescenta ao art. 144 da
Constituição Federal parágrafo para ampliar a competência dos órgãos de segurança
pública que especifica, e dá outras providências. Apensada à PEC 423/2014.
- PEC 89/2015, do
Deputado Hugo Leal – Altera a Constituição Federal para
dispor sobre a reforma do sistema de persecução penal e dá outras providências.
Apensada à PEC 430/2009.
- PEC 127/2015, do Deputado Reginaldo
Lopes – Acrescenta dispositivos à
Constituição Federal para permitir que a União defina normas gerais sobre
segurança pública, cria o Conselho Nacional de Polícia, a ouvidoria de polícia,
estabelece o ciclo completo da ação policial e dá outras providências. Apensada à
PEC 430/2009.
No
âmbito do Senado, são relevantes no tocante à matéria em apreço, ainda, as
seguintes proposições:
-
PEC 21/2005, do Senador Tasso Jereissati – Dá nova redação aos arts. 21, 22,
32, 144 e 167 da Constituição Federal, para reestruturar os órgãos de segurança
pública.
- PEC 102/2011, do Senador Blairo Maggi – Altera dispositivos da
Constituição Federal para permitir à União e aos Estados a criação de polícia única e dá outras
providências.
-
PEC 51/2013, do Senador
Lindbergh Farias – Altera
os arts. 21, 24 e 144 da Constituição; acrescenta os arts. 143-A, 144-A e
144-B, reestrutura o modelo de segurança pública a partir da desmilitarização
do modelo policial.
- PEC 321/2013, do Deputado Chico
Lopes – Altera o art. 144 da
Constituição Federal, incluindo novos órgãos de segurança pública e dando
providências correlatas. Apensada à PEC
432/2009.
- PEC
131/2015, do Senador Tasso Jereissati – Dá nova redação aos arts. 21, 22, 32, 144 e 167 da Constituição Federal,
para reestruturar os órgãos de segurança pública. Altera
a Constituição Federal para reestruturar a segurança pública; incorpora à
polícia federal as funções de polícia ostensiva marítima, aérea, portuária, de
fronteiras e de rodovias e ferrovias federais; estabelece que as ações de
segurança pública serão desenvolvidas nos níveis federal, estadual e municipal;
confere liberdade de organização às polícias estaduais; e dispõe que lei
complementar federal estabelecerá as normas gerais do estatuto e do código de
ética e disciplina das polícias federal, estaduais e do Distrito Federal,
observadas as garantias e prerrogativas dos integrantes de carreira policial
que estabelece.
Por ocasião dos
trabalhos levados a efeito pela Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania (CCJC) que analisou, na Câmara dos Deputados, a PEC 430/2009 – apensadas as PEC 432/2009, 321/2013, 423/2013,
431/2014, 127/2015 e 89/2015 – que “altera a Constituição Federal para
dispor sobre a Polícia e Corpos de Bombeiros dos Estados e do Distrito Federal
e Territórios, confere atribuições às Guardas Municipais e dá outras
providências”, foi realizado, durante o ano de 2015, um “Ciclo de 12 Eventos no DF e em dez Estados”
(BRASIL, 2015).
Ao analisar os arquivos
de áudio dos eventos, assim como a documentação produzida, verifica-se que as
participações de várias autoridades, gestores, acadêmicos e representantes de
classe se alternaram em termos de apoio e contrariedade à implementação do
ciclo completo de polícia.
Não
obstante as manifestações apaixonadas de lado a lado, restou evidente que a
defesa do ciclo completo se baseia na dificuldade observada pela PM no tocante
à sistemática ora imposta pela legislação, especialmente os procedimentos
referentes ao termo circunstanciado (TC), previsto na Lei nº 9.099, de 26 de
setembro de 1995 (Lei dos Juizados Especiais), chamado, também, de termo
circunstanciado de ocorrência (TCO), em vários Estados, termo de ocorrência
circunstanciado (TOC), no Ceará e termo circunstanciado de infração penal
(TCIP), no Paraná.[7]
O
ciclo completo é sistematicamente defendido pelos oficiais das polícias
militares e execrado pelos delegados de polícia. Exemplo disso
é o teor das recomendações das diversas ‘cartas’ oriundas de encontros dos respectivos
segmentos corporativos.
Assim, a Carta de Belém, firmada pelos
delegados de polícia civil e federal, durante o XIII Congresso Nacional de
Delegados de Polícia de Carreira, no período de 11 a 14 de novembro de 2003,
recomendava, dentre outros objetivos:
6 – propugnar pela manutenção das atribuições constitucionais da Polícia
Civil e da Polícia Federal, com a preservação da exclusiva competência para
realização de investigações criminais, com o inquérito policial sendo o
instrumento próprio para tal fim, com a presidência do Delegado de Polícia
(ADEPOL, 2003).
Por seu turno, os oficiais
militares estaduais, durante o XV
Encontro de Entidades da categoria, realizado em 27 de agosto de 2015,
divulgaram a Carta de Natal, em que pontuavam, dentre outras recomendações:
I – Repudiar qualquer iniciativa tendente a manter ou
reforçar o atual sistema policial marcado por meias polícias e por uma
resolutividade de infrações penais que, vergonhosamente, tem atingido em média
míseros 5% (cinco por cento), situação única no mundo no que concerne a
ineficiência.
II – Implantar o Ciclo Completo de Polícia, para todas as
instituições policiais, a exemplo de todos os países, com destaque para as
nações desenvolvidas, permitindo que os atos lavrados sigam diretamente ao
Poder Judiciário, deste modo: – possibilitando uma reforma estrutural com
redução significativa de custos – aumentando a fidedignidade das informações
prestadas; – desburocratizando o atendimento policial ao cidadão; – alcançando
maior eficiência de todas as instituições policiais; a ser consubstanciado com
a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 423/2014, a “PEC da Segurança”
bem como outras que contenham a implantação do Ciclo Completo.
III – Reforçar o conceito de autoridade policial, conforme
constantemente ratificado pelo STF, no contexto da Lei 9.099/95 como o primeiro
policial atendente da ocorrência in loco, cabendo a esta instituição o registro
do fato com o encaminhamento ao Poder Judiciário, refutando as tentativas
meramente corporativistas, que têm pressionado o Congresso Nacional a
concentrar tal conceito em um único cargo (FENEME, 2015).
O
sociólogo Luís Flávio Sapori, representando o Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, durante intervenção no ciclo de eventos mencionado, identificou três
opções de arranjo institucional que viabilizam o ciclo completo de polícia no
Brasil: 1) polícias estaduais unificadas; 2) polícias militares e polícias
civis de ciclo completo; e 3) ciclo completo por tipo de crime.
Segundo informa o
Deputado Subtenente Gonzaga, em sua Justificação, como primeiro autor da PEC 431/2014 (apensada
à PEC 423/2014), o principal problema são as distâncias a serem percorridas
para a formalização de um simples formulário que poderia ser preenchido no
local do fato:
Apenas
a título de exemplo, Minas Gerais, possui 853 municípios que são atendidos em
sua integralidade pela Polícia Militar, único órgão do Estado presente em todas
estas localidades e em mais de 200 distritos. Neste Estado, a Polícia Civil
consegue manter seu atendimento 24 horas por dia (atendimento noturno, feriados
e finais de semana) em apenas 64 Municípios, o que leva, às vezes, a um
deslocamento de policiais militares por mais de 300 km de suas sedes para fazer
um registro de ocorrência, na maioria das vezes de crime de menor potencial
ofensivo. Com o agravante de ter que conduzir vítima, agente e testemunha, num
verdadeiro cárcere privado deste.[8]
Em razão de argumentações dessa natureza,
vários Estados obtiveram liminares nos órgãos judiciários, autorizando as
polícias militares a elaborarem os TC autonomamente, sem a necessidade de
submeter as respectivas ocorrências ao crivo do delegado de polícia civil.
Consta em depoimentos divulgados durante os eventos, que onde assim se
estabeleceu, a sistemática funciona, com ganhos para a sociedade, as
corporações policiais e o sistema de justiça criminal como um todo.
Por seu turno, os delegados de polícia
propugnam a exclusividade, para si, da denominação ‘autoridade policial’, nos
termos do Código de Processo Penal (CPP), aprovado pelo Decreto-Lei n. 3.689,
de 3 de outubro de 1941, razão porque a lei não autorizaria a formalização do
TC por qualquer policial.[9] Tanto
assim é entendido, que os próprios policiais civis, agentes da autoridade
policial, não lavram o TC, mas levam o caso à delegacia para que o delegado
decida.
Obtemperam
os delegados que eles são os primeiros garantidores dos direitos do cidadão –
ao que os militares contestam serem eles, pelo contato inicial com o cidadão –,
temendo pelo eventual desrespeito a esses direitos por parte dos policiais
militares, acostumados a tratar com delinquentes no calor dos fatos. A ida aos
quarteis para efeito de lavratura do TC é apontada como temerária, ao que os
militares contrapõem referências históricas de que era nos porões das polícias
civis que ocorriam as torturas em passado não muito distante. Por outro lado, o
desconhecimento das filigranas jurídicas necessárias ao correto enquadramento
da suposta infração penal seria dificuldade adicional imposta aos militares,
além da inviabilidade de se lavrar, ‘no capô da viatura’, um documento
formalmente exigido pela lei.
Enfim, não há notícia de que tenha havido
desrespeito aos envolvidos, nessas circunstâncias. A propalada vantagem
conferida à polícia civil, no sentido de poder dedicar-se a casos mais graves,
igualmente não foi suficientemente divulgada, se é que se verificou. Não há,
também, notícia de que formulários elaborados pelos militares tenham sido rejeitados
pelos órgãos judiciais. A possibilidade de retrabalho por parte da polícia
civil é possível, havendo relatos dessa ocorrência, não quantitativamente
demonstrada.
Não obstante, há situações em que
provavelmente haja alguma dificuldade e mesmo prejuízo à persecução penal ou,
na pior hipótese, agravo aos direitos do infrator. Cite-se, exemplificadamente,
as hipóteses de necessidade de laudo preliminar de constatação, no caso de
lesão corporal, sem o qual seria temerária a lavratura de qualquer procedimento.
Não
se aplicariam, naturalmente, as medidas protetivas previstas na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida
como Lei Maria da Penha, que “cria mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher (...)”, visto que “aos crimes praticados
com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena
prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995”, nos termos
de seu art. 41.
Bem demonstra
que o tema não é pacífico o resultado da 1ª Conferência
Nacional de Segurança Pública (Conseg), realizada em 2009, com a participação
de gestores, trabalhadores e sociedade, na qual foram aprovados dez princípios
e quarenta diretrizes, dentre estas as seguintes, completamente contraditórias:
4. 2.6 A – Estruturar os órgãos policiais federais e estaduais para que
atuem em ciclo completo de polícia, delimitando competências para cada
instituição de acordo com a gravidade do delito sem prejuízo de suas
atribuições específicas. (868 VOTOS)
15. 2.6. C – Rechaço absoluto à proposta de criação do Ciclo Completo de
Polícia. (446 VOTOS) (BRASIL, 2009, p. 81 e 82).
3 MODELO DE POLÍCIA
Não
obstante o foco do presente trabalho ser a análise do ciclo completo de
polícia, cuida-se que a alteração do modelo atual, flexibilizando-o, constitui
medida necessária para que eventual aglutinação de atribuições seja deferida às
polícias.
Assim, o modelo policial
existente, com duas polícias de ciclo incompleto (uma atuando na prevenção e
repressão imediata e outra na investigação), sendo aquela militarizada, tem
sido causa de inúmeras discussões na sociedade e no Congresso Nacional. Movimentos
pelo ciclo completo de polícia, pela desmilitarização e pela unificação das
polícias tem ganhado força e dominado parte da agenda de segurança pública no
Parlamento.
Muito se tem discutido,
portanto, a respeito de remodelação das forças policiais, sob vários
argumentos. Então, há quem defenda a desmilitarização da polícia militar e a
unificação desta com a polícia civil, pois ambas apresentam uma dualidade nem
sempre compreensível, por sobrepor competências e instâncias administrativas
custosas ao erário.
Atacando aspectos formais,
há quem propugna pela extinção do inquérito policial e até do cargo de delegado
de polícia ou a inexigência de o mesmo ser bacharel em direito, sob o argumento
de que qualquer policial pode analisar o fato da vida e enquadrá-lo sob o
aspecto de subsumir-se ou não a uma infração penal legalmente tipificada.
Entremeando essas
propostas, surgem as de eventual transformação das atuais guardas municipais em
polícias municipais, criação de novas forças policiais, especialmente no âmbito
federal, como polícia portuária, universitária e outras. A discussão que nos
interessa no presente trabalho, enfim, é a extensão do chamado ciclo completo a
todas as polícias.
A
adoção do ciclo completo passa pela constatação de que a diferença entre as
polícias estrangeiras e as brasileiras é que aquelas executam o chamado ciclo
completo de polícia, enquanto as polícias estaduais brasileiras possuem
competência parcial desse ciclo, cabendo às policias militares o policiamento
preventivo-ostensivo e às civis, o repressivo-investigativo.[10]
Isso significa que, na
área de sua competência, um órgão policial estrangeiro começa o ciclo com a ‘prevenção’
e, caso não impeça o cometimento do crime, executa a ‘repressão imediata’,
prendendo o infrator; ou busca a ‘repressão mediata’, investigando e
descobrindo de quem se trata e, em qualquer dos casos, reunindo as provas que permitirão
seja ele processado e julgado pelos seus atos, podendo, afinal, ser condenado e
cumprir a pena imposta.
Alguns estudiosos defendem
a tese de que ambas as polícias, civil e militar, deveriam executar o ciclo
completo, cuja adoção demandaria, contudo, o delineamento da competência de
cada força, pois não faz sentido duas polícias executando as mesmas tarefas no
mesmo território. A competência, nesse caso, poderia ser territorial (ratione loci) ou material (ratione materiæ), isto é, delimitada quanto
a uma área geográfica onde atua o órgão policial, ou quanto ao tipo de crime
que se deve evitar ou reprimir.
Como
exemplo, a Gendarmerie francesa
(militar), antiga Marechaussée,
atua nas zonas rurais e cidades pequenas de até vinte mil habitantes, enquanto
a Police Nationale (civil) atua nas
zonas urbanas das cidades maiores. A competência é estabelecida em razão do
lugar. Atualmente ambas têm atuação nas áreas periurbanas, o que tem causado
certa redução da efetividade (LÉVY, 1997). Essa circunstância bem demonstra a
insensatez de haver duas polícias na mesma base territorial com a mesma
competência.
Importante anotar que a
polícia de feitio militar usa uniforme (farda) todo o tempo, enquanto a polícia
de caráter civil pode estar à paisana (segmentos de investigação, inteligência)
ou uniformizada (prevenção, ações táticas, atividades que exijam contato
ostensivo com o público), ocasiões em que trajam coletes identificadores ou
uniformes especiais.[11]
A
polícia dos Estados Unidos, por sua vez, também utiliza o sistema de competência
territorial, mas noutra óptica. Como há legislação penal federal, estaduais e
até municipais diversas, a polícia municipal (ou do condado) tem competência
plena em sua área de atuação. Se o crime cometido extrapola o interesse do
município ou envolve vários condados ou municipalidades, ou, ainda, trata-se de
crime estadual apenas, o órgão policial competente é o do Estado. Tratando-se
de crime federal ou que afete mais de um Estado, a competência é do Federal Bureau of Investigation (FBI),
do United States Marshals Service (USMS) ou da Drug Enforcement Agency (DEA).[12]
A competência pode ser,
ainda, de outras agências especializadas, como correios, receita federal ou
alfândega, por exemplo, uma vez que uma característica do sistema repressivo
criminal dos Estados Unidos é a multiplicidade de órgãos e até a dificuldade de
se enquadrá-los como agências policiais ou não, donde a imprecisa noção de
somarem entre pouco mais de dez mil a mais de vinte mil, especulando alguns que
atinjam quarenta mil órgãos distintos.[13]
Essa
multiplicidade de órgãos policiais é outro dos argumentos esgrimidos contra a
unificação das polícias estaduais no Brasil, no sentido de que a existência de
54 polícias estaduais não seria empecilho para a atuação, dado o exemplo
norte-americano. Mais uma vez, todavia, o raciocínio é incompleto, pois nos
exemplos citados não há, em regra, uma sistemática sobreposição de competências.
No Brasil, portanto, há a atuação simultânea de duas ditas ‘meias-polícias’ num
mesmo território, cada uma executando uma fase anticrime (MARIANO, 2004, p. 51).
Se houvesse a extensão do
ciclo completo para ambas, seriam duas polícias com competências simultâneas no
mesmo território, a menos que, conforme já proposto pelos oficiais das polícias
militares, fosse dividido o território entre ambas, ou, ainda, atuando no mesmo
território, tivessem competências materiais distintas. Aí se acentuariam os
problemas de caráter administrativo, hoje tidos como dos mais fortes argumentos
favoráveis à unificação das polícias, que é a multiplicação de órgãos de
direção ou comando, de assessoramento e de apoio à atividade-fim. Impediria,
também, a inevitável economia de escala decorrente da aglutinação de órgãos de
atribuições congêneres, oriundos de instituições diversas.[14]
Outro problema decorrente
seria a dificuldade de se alocar, em tempo hábil, recursos humanos para as duas
espécies de atividade, o que oneraria mais fortemente as polícias civis, de
menor efetivo e, portanto, sem condições de escalar policiais para realizar a
prevenção. Por outro lado, não seria conveniente que os mesmos policiais que
atendessem a uma ocorrência com eventual uso da força adotassem os
procedimentos decorrentes. Disso deriva a necessidade de segmentação e
treinamento prévio à atuação repressiva mediata. Assim, mesmo que a atividade
de investigação, caso necessária, seja executada pelo mesmo órgão, não é
conveniente que o seja pelo mesmo policial.
Ademais, a competição
atual entre esses órgãos provavelmente se acirraria, não havendo por que supor
que se adequariam às novas competências se às atuais não se conformam, quando
as competências são estanques. O pior, no limite, seria a omissão naquelas
situações em que não houvesse ganho (político) imediato para a força que
primeiro tomasse conhecimento do evento ou para seus integrantes em particular,
circunstância que colabora para incrementar a taxa de atrito.[15]
Tema pouco regulado é o da
responsabilização pelos resultados (accountability)
das polícias brasileiras. As medidas comumente utilizadas para avaliação do
trabalho policial, especialmente a partir da década de 1970 é o ‘tempo de
resposta’, quanto à polícia preventiva e a ‘taxa de resolução’, no tocante à
repressiva (SILVA FILHO, 2001, p. 1).
Tempo de resposta
significa o tempo que a polícia gasta desde o acionamento até a chegada da
radiopatrulha ao local do evento, sendo considerado ótimo o tempo de dez
minutos.[16]
A taxa de resolução (ou
taxa de elucidação, taxa de esclarecimento, ou índices de casos resolvidos, clearance rate em inglês) refere-se ao
percentual de casos resolvidos, isto é, nos quais se aponta a autoria da
infração penal, para a subsequente atuação do Ministério Público e do Poder
Judiciário. No Brasil considera-se que tais índices giram em torno de cinco a
dez por cento, abaixo da média mundial, não havendo estudos ou estatísticas
confiáveis, em nível nacional, para uma efetiva comparação. Sabidamente tais
taxas variam conforme a espécie criminal e, além disso, não se dispõe de uma
metodologia unívoca para o cálculo.[17]
O tempo de resposta está
ligado a um conceito considerado ultrapassado, que é o da conduta reativa da
polícia, isto é, a atuação mediante demanda, ficando as guarnições das viaturas
a postos, em movimento ou aquarteladas, à disposição da população para o
atendimento da ocorrência depois de acionados por uma central de rádio, donde o
nome comum de radiopatrulhamento.
Hoje se propõe um modelo
de polícia proativa, em que o policiamento de proximidade (ou comunitário) aliado
a uma boa gestão do sistema de informações e das técnicas de georreferenciamento
ou geoprocessamento das áreas de maior incidência criminal (manchas criminais
ou hotspots, ‘áreas quentes’). A
acurada análise criminal desses dados permitiria a desejada efetividade na
pacificação social, na medida em que tal procedimento consiste na essência da
prevenção, isto é, evitar o cometimento de crimes.
Quando adota a tática
reativa a polícia preventiva, dita ‘ostensiva’, torna-se uma polícia de ‘repressão
imediata’, isto é, limita-se a prender (em flagrante delito). Destarte, a
prevenção propriamente dita, que evitaria o cometimento de crimes, resta
prejudicada, uma vez que o foco atual se cinge ao crime que está sendo ou acaba
de ser cometido. Essa circunstância gera um fenômeno indesejável, que é o
entulhamento das delegacias de polícia com casos simples que geram providências
de cunho cartorário.
Aponta-se como equivocada,
portanto, a estratégia de atendimento por demanda via central de despacho,
modelo que deveria ser utilizado subsidiariamente
a uma opção principal de policiamento presencial seletivo.[18]
Não é despiciendo recordar
que as delegacias de polícia registram, nos plantões, além dos autos de prisão
em flagrante, ocorrências policiais de casos passados ou que não tenham
configurado flagrante delito, atividade que absorve grande parcela do tempo
despendido nas atividades da unidade policial. Certo é que boa parte desses
registros poderiam ser feitos por meios informatizados, nas chamadas
‘delegacias eletrônicas’, disponíveis em vários Estados, mas não utilizadas de
forma ampla.
Uma das opções esgrimidas,
portanto, é a extensão do entendimento de que a ‘autoridade policial’ referida
no art. 69 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995 (Lei dos Juizados
Especiais)[19],
pode ser qualquer policial que se depare com a infração penal. Tal entendimento
é acolhido e defendido pelas polícias militares e refutado pelas polícias civis
e federal.
A argumentação dos
militares é no sentido de que em geral o primeiro policial a comparecer a local
de crime é o policial militar, não sendo racional aguardar-se a presença da
polícia civil ou o encaminhamento do caso à delegacia. Os policiais de natureza
civil defendem a legalidade, sob o argumento de que o próprio Código de
Processo Penal, ao utilizar a expressão ‘autoridade policial’, refere-se especificamente
ao delegado de polícia.[20]
Ao
se debruçar sobre a adequação do atual modelo de polícia à realidade do País, é
preciso frisar que a expressão ‘modelos de polícia’, contudo, não têm o mesmo
significado da expressão ‘padrões de
policiamento’. Verificou-se no último quarto do século XX um rápido
aperfeiçoamento das instituições policiais do mundo todo, seja no aspecto do
aparelhamento, com armamento mais eficiente, inclusive não letais, e equipamentos
mais modernos, seja, especialmente, no tocante à sua inserção no ambiente
tecnológico e da informática. Aumentaram-se os efetivos, alocaram-se mais
recursos, adotaram-se novos métodos e doutrinas, assim como novas estratégias
de policiamento, como o policiamento motorizado, o policiamento comunitário (de
proximidade), o policiamento orientado para problemas, mais reativo, conforme a
demanda da comunidade; e outras
inovações.[21]
Ora tendiam a reforçar o
conceito de lei e ordem (law and order),
seguindo proposições do tipo ‘teoria das janelas quebradas’ e ‘tolerância
zero’, ora buscavam a volta às origens, inspirado no sistema britânico de
autopoliciamento das comunidades. Todos esses avanços em termos de recursos,
assim como as tentativas de reforma dos métodos, entretanto, não foram
suficientes para frear a criminalidade crescente no Brasil e no mundo.
As polícias podem se
estruturar para prover segurança à sociedade ou ao Estado. Na concepção de Monjardet
(2003), ao abordar a tipologia das polícias, há três modalidades de atuação
policial, segundo o enfoque se dê na polícia de ordem (política), polícia criminal
(repressiva) ou polícia urbana (preventiva, comunitária, de proximidade).[22] Os
clientes dessas vertentes policiais seriam, respectivamente, o Estado, o
criminoso e o cidadão. Discorre o autor que “quanto mais dividida a sociedade,
quanto mais conflituoso seu pluralismo, tantas maiores são as possibilidades de
a polícia de repressão (polícia criminal) ser relativamente a mais
desenvolvida”, complementando que “quanto mais consensual e descentralizado o
poder, mais os controles sociais internos são poderosos e limitam a
delinquência organizada, mais o aparato policial é limitado à polícia de segurança
pública, vigia urbana” (MONJARDET, 2003, p. 281 et seq.).
Na
mesma linha é o ensinamento de Bayley (2006). Segundo esse autor a polícia pode
atuar na aplicação da lei, investigação criminal, prestação de serviços,
controle de multidões e regulação de tráfego (BAYLEY, 2006, p. 233).
Toda polícia, todavia, tem algo de reativo e de proativo
e, nesse caso, cabe observar – embora não seja o foco do presente estudo – que a
opção por uma só polícia facilita a busca do equilíbrio sobre quanto de reativo
e quanto de proativo deve haver, conforme haja deslocamento dos criminosos para
novas áreas, substituição dos crimes mais comuns ou alteração no seu modo de
operação. Presta-se, igualmente, à alocação de recursos humanos a um ou outro
segmento, conforme se altere a proporção na busca desse equilíbrio, assim como
às atividades preventivas ou repressivas.
Então,
as modernas estratégias de policiamento, como o comunitário ou de proximidade,
o orientado para a solução de problemas e o fundado na análise criminal podem
favorecer, também, uma polícia única.
Embora a polícia de
Estado (polícia de ordem, às vezes polícia secreta) possa atuar no âmbito
territorial de toda a nação, sua atuação é pontual quanto aos alvos de sua
ação, ou seja, as pessoas a serem vigiadas, protegidas ou reprimidas. Já as polícias
destinadas a proteger a população se estruturam, o mais das vezes, em escala
circunscricional, abrangendo o território do ente instituidor.
Resumindo,
no nível macro, temos no Brasil o problema de haver duas
polícias estaduais de meio ciclo, PM e PC, que não se resignam com suas
atribuições – não executadas a contento – e fazem o trabalho uma da outra,
gerando atritos.[23]
Além
disso, não há uma polícia federal preventiva propriamente dita e, no nível
estadual, as polícias civis mais atendem a demandas imediatas e resolvem
problemas interpessoais que propriamente investigam, no mais das vezes por
escassez de recursos ou excesso de demanda cartorária, tais como registro de
ocorrências e lavraturas de autos de prisão em flagrante, situação abordada
linhas atrás, ou o que é pior, devido a ambos os fatores. Por fim, se carece de
base constitucional para que haja polícias locais (municipais ou
metropolitanas), que poderiam muito bem atenuar os problemas da violência
endêmica.
O
fato é que o Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP), elaborado no ano 2000,
reconheceu o esgotamento do modelo dualizado de polícia, com instituições policiais
de ciclo incompleto. Propôs atualizá-lo mediante a implantação de um Sistema
Único de Segurança Pública (Susp) nos Estados e no âmbito da União, com
interface com os municípios por meio das guardas municipais.
Não
se tratam de mudanças profundas, mas com certa tendência a criar mais
dificuldades à ação das polícias que as observadas atualmente. Uma delas é o
objetivo de criação paulatina de uma ‘ou várias’ polícias estaduais de ciclo
completo.[24]
Entretanto, repise-se, não faz sentido mais de uma polícia de ciclo completo
numa mesma base territorial.
Dentre
as mudanças propostas mais impactantes do PNSP estão: extinção dos tribunais e
auditorias militares estaduais; elaboração de uma lei orgânica única para as
polícias estaduais; desvinculação entre as polícias militares e o Exército;
extinção da indiciação[25] durante o
inquérito policial; piso nacional de salário para as polícias; criação de
ouvidorias de polícia autônomas e independentes; e desconstitucionalização do
tema da segurança pública, a título de conferir liberdade aos Estados para
melhor disporem sobre suas polícias, num pretenso reforço do princípio
federativo.
Vê-se,
portanto, que mudanças são necessárias.
Ao
se vislumbrar a hipótese de reformulação do modelo de polícia e de policiamento
existente no Brasil, algumas considerações devem anteceder a propositura de
soluções, como pressupostos básicos a conferir consistência a qualquer
sugestão. Antes, porém, são necessárias algumas indagações acerca da real
necessidade de se alterar o modelo e porque as tentativas a respeito
malograram.
Pode-se
especular, no primeiro caso, que entre a incerteza acerca da necessidade e a
dificuldade de se comprová-la senão testando outro modelo, o ideal, em termos
de legislação pertinente, é facultar a coexistência de modelos distintos. Desta
constatação, não importa muito definir se haverá apenas uma polícia para cada
nível da federação, o que, em tese e aparentemente, traria interessante
economia de escala em termos de custos. Partir-se-ia, então, com base na
argumentação volvida, da premissa de que o modelo de polícia cristalizado na
Constituição interfere, de forma negativa, na efetividade das ações das
agências policiais, em particular, e no provimento de segurança pública, como
um todo.
Noutro passo, o insucesso
das propostas de mudança deve-se mais a arraigadas concepções corporativas
refratárias à ideia que a inquestionáveis virtudes do modelo atual. Demais
disso, se não houver uma proposta de mudança ‘pactuada’ entre os vários níveis
da federação e os diversos atores envolvidos, pouco se avançará. Muitas
variáveis afetariam qualquer empreitada dessa envergadura e a ausência delas
nas propostas até então apresentadas pode ter contribuído para o malogro
referido.
Um dos aspectos que sempre
geram polêmicas no tocante à alteração do modelo policial, é a questão de as
polícias militares e corpos bombeiros militares serem consideradas reserva do
Exército, o que vem sendo reproduzido em todas as Constituições desde 1934
(art. 167) e, ainda, suas forças auxiliares, aspecto constitucionalizado desde
1946 (art. 183). Esse comando se aplica nos casos de mobilização, nos estados
de emergência constitucional, isto é, estado de defesa e estado de sítio, sendo
que este contempla as hipóteses de estado de guerra ou resposta a agressão
armada estrangeira.
Entende-se, todavia, que
nos dias atuais essa destinação é desnecessária, pois a mobilização, que pode
abranger todos os segmentos da sociedade, no caso das forças policiais deve se
restringir à atuação na defesa interna e não para combate em teatros de
operações situados dentro ou fora do território brasileiro. Além de as Forças
Armadas disporem de considerável efetivo de reservistas, a opção de utilizar as
forças militares estaduais como combatentes implica duas situações inadequadas:
1) a formação das polícias e bombeiros com o viés de combatente, amplamente
rejeitada pela sociedade, embora ainda realidade; 2) a supressão de
considerável contingente que precisaria continuar, durante o período de
mobilização, prevenindo o crime, mantendo a ordem e, no caso dos bombeiros,
executando atividades de defesa civil.
No caso de guerra as Forças
Armadas vão para o combate, seja em terras estranhas ou no próprio país.
Enquanto isso, as forças policiais permanecem no território nacional,
garantindo a tranquilidade pública. Conforme haja baixas ou necessidade de
aumento do efetivo empregado, convocam-se os reservistas (que não são os
militares estaduais), para serem treinados e mandados para o front. A defesa do território deve ser
garantida, ainda, pelas Forças Armadas, sob pena de se afetar o policiamento ordinário
numa situação evidentemente mais gravosa que em ambiente pacífico, diante da
insegurança e temor generalizado da população frente a uma provável retaliação
do inimigo.
A contribuição dos
militares estaduais na defesa do território é prosseguir na execução de suas
atribuições de defesa interna e defesa civil. Se o teatro de operações se
situar no país, o raciocínio é o mesmo: as forças armadas garantem a defesa do
território, seja impedindo sua conquista, seja retomando áreas invadidas.
Enquanto isso, cabe às forças policiais manter a segurança pública, no sentido
de preservar a ordem interna, prevenindo e impedindo o recrudescimento da
criminalidade, os saques, as vinganças particulares, eventos facilitados pelo
caos da guerra, além de adotar as medidas de defesa civil ordinárias e as
decorrentes dos combates.
Assim, seja na hipótese de
convocação durante os estados de emergência constitucional (estado de defesa e
estado de sítio), seja na de mobilização, no caso de guerra, o esforço das
forças militares estaduais continua voltado para assuntos não bélicos. A
convocação de reservistas que sejam policiais – na hipótese de uma eventual
polícia única – e a mobilização – que inclui outros segmentos da sociedade –
pode ser feita sem que se considerem as ‘forças auxiliares’ reservas do
Exército, bastando tal previsão constitucional. Entretanto, mesmo mantendo-se o
modelo atual e a condição de reserva ou na hipótese de desmilitarização,
dificilmente as polícias – então de caráter civil – seriam convocadas para o
combate, ainda que como reservistas, mas seriam mobilizadas para auxiliarem no
esforço de guerra, aliás como já fazem, na tentativa de pacificação social.
Noutro
passo, cuida-se que a manutenção constitucionalizada das agências policiais
existentes de forma hermética, numerus clausus, não permitiria aos
governos dos três níveis da federação adotarem novas conformações, supondo-se
que as ali previstas não estejam adequadas ou suficientes ou, ainda, sejam
redundantes para o provimento de segurança pública.
Questões
como a desmilitarização, o ciclo completo, a desconsideração das forças
militares estaduais como forças auxiliares e reserva do Exército ocorreriam por
força de adoção de outro modelo, como mera consequência. Atualmente essas
questões são tratadas como centrais, o que não se afigura adequado. A propósito
de desmilitarização, por exemplo, repudiada pelos escalões superiores das
forças militares estaduais e até das Forças Armadas, é possível – e
recomendável – que uma nova polícia estadual tenha caráter civil. Nada impede,
porém, que se mantenha a estética militar – não a estrutura (Mariano, 2002) ou
a forma de atuação –, inclusive adotando-se a taxionomia de seus cargos, como já
se propôs, até como forma de evitar a traumatização da mudança e a perda das
referências contidas nos arquétipos militares (MELIM JÚNIOR, 2002, p. 255).[26]
É
equivocada, portanto, a ideia de que uma polícia estadual seria extinta e
assimilada por outra, ainda que houvesse a criação de uma nova polícia, pois o
correto seria dizer que ambas seriam transformadas, como já ocorreu algumas
vezes desde os primórdios da polícia no Brasil.[27]
A transformação não se
pode fazer por mero e único ato legislativo, sabidamente, vez que a faculdade
de criação de novo órgão deve estar associada à faculdade conferida aos
integrantes do antigo órgão, de opção pelo novo. À medida que os não optantes
se aposentassem, os cargos seriam extintos. Assim, quando os últimos cargos
fossem extintos, os órgãos já estariam em transformação por muito tempo e seus
integrantes incorporados ao novo órgão, por evolução natural e consequente dos
primeiros.
Supondo,
então, que o ideal seja uma única polícia em cada nível da federação, haveria
algumas questões envolvidas a ser deslindadas, que passaremos a abordar.
Uma delas é se seria
aconselhável facultar a criação de polícias municipais em todos os municípios
ou em apenas alguns. Como não há a tradição de polícia municipal no Brasil,
reputa-se conveniente a autorização condicionada, podendo-se apontar, nesse
caso, duas formas principais de condicionamento.
A primeira é utilizar o
critério populacional, isto é, apenas municípios mais populosos poderiam criar
sua polícia. Nesse caso, se transformada a guarda municipal em polícia, apenas
por disposição constitucional, ainda que condicionado à satisfação de tal
requisito, se poderia autorizar a transposição de cargos, por exemplo. Solução
mais simples é permitir a coexistência de polícia e guarda municipal, o que
vai, porém, de encontro ao critério de economicidade.
O segundo condicionamento,
aplicável apenas na hipótese de transformação da guarda municipal, é criar
indicadores de desempenho que credenciassem o órgão à transformação pretendida.
Nessa hipótese, a criação de um conselho constitucional com poderes
deliberativos e normativos, poderia viabilizar a instância competente para a
avaliação pertinente.[28]
A propósito o conselho
constitucional deveria ser responsável por gerir o fundo constitucional analisado
adiante. Conselhos estaduais e municipais congêneres deveriam existir
obrigatoriamente e ser responsáveis, igualmente, pela gestão dos fundos
pertinentes, também obrigatórios, que permitissem o repasse de recursos
financeiros dos níveis federal e estadual até o municipal, fundo a fundo,
segundo critérios predefinidos.
A redação constitucional deve permitir,
portanto, que as polícias de nível federal e as de nível estadual sejam
mantidas ou unificadas e, ainda, que seja possível a criação de um ou mais
órgãos policiais. A experiência é que trará saberes para se aquilatar da
validade de um ou de outro modelo.
As
polícias brasileiras, embora similares do ponto de vista estrutural, são muito
diversas em termos de efetivo – que depende do tamanho da população – e,
principalmente, de remuneração de seus integrantes, o que tem mais afinidade
com a riqueza ou regularidade das contas de cada Estado. A diferença se faz
sentir, também, entre as polícias civil e militar de um mesmo Estado. Isso gera
insatisfação generalizada na força menos prestigiada e, por consequência,
acentua as tensões.
Dessa forma, o
enquadramento dos policiais numa eventual nova polícia ficaria comprometido se
não se resolvesse o problema das diferenças remuneratórias, pelo menos entre
polícias do mesmo Estado.
Eventual
linearidade pretendida quanto ao funcionamento das polícias estaduais exigiria,
necessariamente, o equacionamento quanto à remuneração, conforme já tentado em
relação a um piso salarial, cujo exemplo é a PEC[29]
300/2008, em tramitação na Câmara dos Deputados. As diferenças remuneratórias
são, porém, tão expressivas, que certamente muitos Estados não teriam condições
de equalizá-las de imediato e mesmo a médio prazo, sob comando de eventual
dispositivo constitucional, por exemplo, sem que houvesse aporte de recursos
adicionais.
Ocorre que a maioria dos
entes da federação comprometem ampla parcela de seus orçamentos com custeio da
máquina administrativa e, nesse tocante, o maior percentual se refere a
pagamento de pessoal. Nos termos da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de
2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) os gastos com pessoal não podem superar
cinquenta por cento das receitas correntes líquidas no caso da União e sessenta
por cento, no caso dos demais entes da federação. O parágrafo único do art. 22
da mencionada lei estabelece, inclusive, o ‘limite prudencial’ de 95% para tais
gastos, a partir do qual se operam várias vedações quanto a atos de gestão de
pessoal que gerem despesas.
Destarte, a menos que se
adotem pelo menos duas medidas essenciais, torna-se muito difícil a alocação de
recursos para essa medida simples, mas básica, para que o modelo de polícia
adquira alguma unidade.
Uma delas seria a criação
de um fundo constitucional, não sujeito, portanto, em tese, a
contingenciamentos.
A outra, que a União, por
meio do Poder Executivo Federal, protagonize o financiamento da segurança
pública, mediante transferências tributárias constitucionais aos demais entes.
Essas transferências, contudo, seriam feitas segundo critérios objetivos,
vinculados ao atingimento de metas predefinidas, providência essencial para
evitar que fiquem sujeitas aos caprichos das injunções politicoeconômicas.
Não basta, portanto,
propor integração e se criar programas com nomes pomposos sob siglas de apelo midiático
para reduzir a violência e a criminalidade, se não se equalizar a remuneração
dos profissionais de segurança pública.
Outro
ponto relevante é o regime de trabalho e o previdenciário. O regime de trabalho
em termos de jornada – expresso geralmente como carga semanal, em horas – é
semelhante aos dos servidores públicos em geral.
Um problema a ser
resolvido é o da diversidade de escalas de serviço, cujos períodos de folga em
geral são tidos como generosos demais. Tanto é assim, que geram outro problema,
o trabalho informal remunerado que os policiais prestam para empresas e
particulares, o chamado ‘bico’, um dos fatores geradores da alta vitimização
policial.[30] O ‘bico’ tanto
pode ser efeito da baixa remuneração, como concausa, na medida em que muitos
policiais obtêm remuneração maior que a formal nessas situações, sob o
beneplácito dos gestores, que não se esforçam, em consequência, por
propiciar-lhes melhor remuneração.[31]
Tais situações geram,
ainda, oportunidades para negócios escusos com o narcotráfico, a criminalidade
organizada ou mesmo para empreendimentos autônomos.
Os exemplos mais
eloquentes, relatados pela CPI do Exermínio no Nordeste[32],
são as milícias privadas ou ‘araques’, que fazem a chamada ‘extorsão branca’,
explorando e impondo, com exclusividade, ‘concessões’ e ‘taxas de segurança’,
além dos justiceiros do tipo ‘esquadrões da morte’. Essas situações perpetuam
alta instabilidade social, devido ao elevado desgaste da polícia perante a
opinião pública, oriundo da assimetria de atuação de forças policiais
distintas.
Importante
questão é o sistema de recrutamento. Discute-se acerca da ineficácia de
carreiras distintas dentro de um mesmo órgão, pugnando-se pela carreira única e
mesmo pelo cargo único, com única entrada, pela base. A situação é dificultada
pela vedação constitucional ao chamado provimento derivado, não podendo o
policial ser promovido a outro cargo qualquer, mesmo de nível idêntico, senão
mediante concurso público.
A maioria das polícias de
outros países, entretanto, admite o recrutamento exógeno – ou lateral – e o
endógeno.[33] O recrutamento
endógeno poderia se dar por reserva de percentual de vagas ou por atribuição de
pontos em prova de títulos por tempo de serviço policial. Alteração nesse
sentido dependeria de o constituinte derivado manter a existência de um regime
trabalhista diferenciado para os policiais, assim como já existe para os
militares.[34]
É
comum em outros países, igualmente, o recrutamento lateral, como forma de ‘oxigenar’
os níveis médios e superiores da hierarquia com o espírito inovador e o
entusiasmo típicos dos jovens, o que parece salutar.
Além disso, eventual
transposição por mandamento constitucional só poderia ser efetuado para uma
carreira com diversidade de cargos, a fim de permitir o enquadramento mais
justo possível de cada um ao longo da carreira.
Outra situação peculiar é
a dos peritos, cujas atividades pressupõem formação acadêmica específica.[35]
Há uma tendência atual, no Brasil, para a desvinculação dos peritos oficiais de
natureza criminal dos órgãos originais, geralmente as polícias civis. Nos casos
em que os peritos fossem mantidos na estrutura policial, só se pode
diferenciá-los dos demais profissionais mediante existência de um cargo próprio
ou, quando muito, num regime de diversidade de cargos, pela adoção de um
sistema de ‘atribuição’ funcional específica.
A Figura 1 informa que na Guardia Civil da Espanha, por exemplo,
há três ‘escalas’ de ingresso direto e outras, de acesso interno, isto é, de
recrutamento endógeno. Com exceção das ‘escalas facultativas’, destinadas a
peritos e outros cargos da atividade-meio, há duas formas de entrada, pela base
e pelo nível superior, esta de natureza lateral, o que equivaleria, no Brasil,
aos círculos de praças e de oficiais no âmbito dos militares, por exemplo.
Figura
1 – Formas de recrutamento na Guarda
Civil da Espanha.
Fonte:
<http://www.guardiacivil.es>.
Quanto ao regime
previdenciário, atualmente os policiais civis e militares possuem o direito à
aposentadoria aos trinta anos de serviço, se bem que pela via de instrumentos
legais diversos. Esse direito, como outros, necessitaria ser preservado, tanto
para efeito de reconhecer o serviço policial como degastante ao longo da vida, dada
sua periculosidade intrínsceca, como para manter o estímulo de transposição
para o novel órgão, se fosse o caso.
Polícias de vários países
não possuem direito a sindicalização e greve, especialmente as europeias, mas
as polícias brasileiras de natureza civil adquiriram esse direito por
disposição constitucional, sendo difícil extingui-lo.
Circunstâncias preventivas
de greves, contudo, seria o oferecimento de dignas condições remuneratórias e
de trabalho, o que nem sempre é suficiente, porém, quando o pleito tem ligação
com o protesto contra uma gestão deficiente, por exemplo.
Por outro lado, embora um
dos argumentos para a existência de mais de uma polícia é o de que possam
cobrir as atividades uma da outra, mutuamente, em períodos de greve, é possível
estabelecer mecanismos de substituição nessas situações, como, por exemplo, nos
casos de intervenção e estados de emergência (estado de defesa e estado de
sítio).
Nesse sentido, seria
aplicável a atuação das Forças Armadas, no âmbito de suas atividades subsidiárias
previstas na Lei Complementar nº 97, de 9
de junho de 1999, que dispõe sobre as normas gerais para sua organização, preparo e emprego. Com
efeito, em seu art. 15, ao disciplinar o emprego das Forças Armadas na garantia
da lei e da ordem, o mencionado diploma prevê a substituição da força policial
indisponível, situação que pode se aplicar, com justeza, a um eventual
movimento paredista pleno, ou quando insuficiente, na hipótese de greve parcial.[36]
A exemplo do que ocorreu
com as guardas municipais, cujo Estatuto, aprovado pela Lei nº 13.022, de 8 de
agosto de 2014, estabelece efetivo máximo (art. 7º), seria adequado que as
polícias tivessem definidas as respectivas ‘taxas de enquadramento policial’
(TEP) ou de densidade policial (police
density ratio) máxima e mínima em relação à população.[37]
O efetivo mínimo, especialmente, é pressuposto de que as atividades teriam
continuidade, com um razoável padrão de efetividade, visto que atualmente, não
obstante as questões de escala mencionadas, os efetivos em geral são
insuficientes para o provimento do serviço policial de qualidade.
Outro ponto relevante diz
respeito ao controle interno e externo, que se relaciona, de certa forma, com a
criação do conselho constitucional apopriado. Assim, a criação de corregedorias
e ouvidorias de polícia poderia prever pessoal com carreira exclusiva e ser
integrado por representantes da sociedade, nos moldes do sistema britânico.[38]
Tais órgãos exerceriam o controle externo social, de caráter teleológico, sem
prejuízo do controle externo de legalidade, atualmente atribuído ao Ministério
Público, além do controle interno próprio de cada polícia.
No âmbito da efetividade
da prestação do serviço policial, ainda, as premissas dos controles não
dispensam outra consideração de ordem prática. Tendo em vista vigorar na esfera
federal o chamado presidencialismo de coalizão, no qual o chefe do Poder
Executivo deve barganhar apoio de um parlamento multipartidário para garantir a
governabilidade, esse sistema é repercutido nas demais instâncias federativas.
Dessa forma, as polícias sofrem ingerências políticas que interferem em sua
forma de atuação e mesmo na necessária neutralidade de que devem se revestir.
Uma das soluções apontadas
é garantir a inamovibilidade do delegado de polícia, a exemplo de garantia
similar conferida aos membros da magistratura e do Ministério Público. Outra
solução seria o estabelecimento de mandato para o chefe de polícia[39],
para que o órgão atue com relativa autonomia e independência, obedecendo apenas
a ditames legais e programáticos transparentes.
4 CONCLUSÃO
Não
obstante as experiências havidas em relação ao termo circunstanciado, não houve
caso de aplicação plena da atividade de polícia na modalidade de ciclo completo
no País. O caso que mais se aproxima, em termos de órgão policial que executa o
ciclo completo, é o do Departamento de Polícia Federal (DPF), que a par de não
exercer a prevenção no tocante a todos os espectros criminais que reprime, sua
atividade preventiva não tem o mesmo modus
operandi da atividade congênere exercida pelas polícias militares. Outros
órgãos policiais que executam o ciclo completo são as polícias legislativas,
mas sua atuação tem caráter edilício e, portanto, não se presta à comparação
com a atuação das polícias militares.
As
propostas apresentadas, contudo, se resumem a quatro, que analisaremos a
seguir:
1)
todas as polícias executariam o ciclo completo plenamente;
2)
as polícias civil e militar executariam o ciclo completo em base territorial
diversa, isto é, em razão do local (ratione
loci);
3)
as polícias civil e militar executariam o ciclo completo em relação a crimes
específicos, ou seja, em razão da matéria (ratione
materiæ); e
4)
a polícia militar executaria o ciclo completo em relação aos crimes de menor
potencial ofensivo e aos casos de flagrante.
No primeiro
caso teríamos a situação menos recomendável. Seriam duas polícias executando as
mesmas atribuições no mesmo território, isto é, uma duplicação de esforços que
poderia redundar em dois desdobramentos possíveis e indesejáveis. Num sentido,
em sobreposição de tarefas e, portanto, desperdício de recursos; noutra óptica,
no fenômeno da difusão da responsabilidade, quando um órgão espera que o outro
cubra determinada subárea, foque determinada subespécie criminal ou atue em
determinado subperíodo específico e nenhum dos dois o faça, deixando um vácuo
perigoso, em prejuízo da sociedade.
A
dificuldade maior seria alocar – depois de razoável treinamento – parcela
considerável da polícia militar para a atividade investigativa e judiciária,
visto que no Brasil as polícias civis possuem trinta por cento do efetivo das
polícias militares, na média. O deslocamento de cerca de trinta por cento dos
policiais militares para as atividades de repressão nas localidades com efetivo
mínimo comprometeria a atividade local de policiamento ostensivo-preventivo.
Por derradeiro, esse modelo significaria a extensão do ciclo completo apenas às
polícias militares, na prática, visto que as polícias civis não possuem efetivo
suficiente sequer para sua atividade ordinária, quanto mais para atuar
preventivamente.
A segunda
modalidade, de base territorial, busca inspiração no modelo francês, em que a Police Nationale atua nas cidades
maiores e a Gendarmerie nas menores e
nas zonas rurais. Haveria mesmo a coincidência de estrutura, isto é, civil e
militar, respectivamente, à semelhança dos órgãos brasileiros. Nessa hipótese a
sugestão apresentada é que a polícia militar atuasse nas grandes cidades,
restando à civil exercer suas atribuições nas pequenas, o que se mostra no
mínimo insensato.
A
mesma fundamentação que atribui capilaridade às polícias militares vai de
encontro à proposta, visto elas estarem presentes nos mais distantes rincões,
estando as polícias civis disponíveis apenas nas cidades maiores. Não haveria
como deslocar efetivos já menores – e em geral escassos – das polícias civis
para todas as pequenas cidades, vilas, povoados e distritos.
Ainda
que se considere possível, no longo prazo, que um efetivo menor desse cabo do
policiamento de locais pacatos, eis que a polícia militar herdaria um
considerável passivo de inquéritos policiais inconclusos, que se avoluma nas
grandes cidades, acossadas pela incidência criminal proporcionalmente
incrementada. Destarte, aglomerações urbanas mais adensadas exigem um
policiamento ostensivo mais visível, já que impraticável o preventivo
propriamente dito, de feitio comunitário. Neste aspecto, pode-se inferir que o
aporte de policiais militares oriundos do interior suportasse a carga adicional
de polícia investigativa e judiciária.
Entretanto,
nos dois casos, tanto no de alocação de policiais militares do interior para as
grandes e médias cidades, como no de policiais civis para as pequenas, haveria
difícil acomodação de interesses pessoais dos policiais, como vinculação com as
comunidades, emprego do cônjuge, escolas dos filhos, patrimônio eventualmente
localizado na cidade em que residem e outras contingências variadas. Embora o
interesse público ou institucional deva prevalecer, é inequívoco que os fatores
citados interferem na motivação do policial, levando, quiçá, muitos a
solicitarem aposentadoria precocemente ou, no limite, mesmo solicitar
exoneração da força policial.
No caso da
terceira proposta, de divisão do trabalho fundado em base material, por tipo de
crime, teríamos situação semelhante à primeira e aparentada à situação atual.
Assim, o risco de ocorrência de áreas de sombra e de responsabilidade difusa
também existiria, bem como o da sobreposição de competências, como ocorre
atualmente. Já se propôs que caberia às polícias militares os crimes contra o
patrimônio e às civis os crimes contra a pessoa e os demais crimes previstos no
Código Penal e leis extravagantes. Em certa medida, boa parte dos crimes que
geram prisões em flagrante são aqueles contra o patrimônio.
Variante
da proposta é que as polícias militares seriam responsáveis pelos crimes de
menor potencial ofensivo, cabendo os demais à polícia civil. Essa hipótese se
aproximaria da situação atual nos Estados em que a polícia militar foi
autorizada a formalizar o TC. Novamente se trataria da extensão do ciclo
completo em relação aos crimes cuja repressão fosse atribuída às polícias
militares, sem correspondência nas polícias civis no aspecto da prevenção.
Estas teriam dificuldade de prevenir – além de reprimir – crimes de maior
ofensividade, em razão do baixo impacto na liberação de eventual efetivo dos
plantões, responsáveis por registro de ocorrência e lavratura de flagrantes.
Tal circunstância poderia causar relativa anomia em relação aos crimes mais
graves, ou, o mais provável, a continuidade de sua prevenção por parte das
polícias militares.
A quarta
opção é uma variante da terceira, com o acréscimo das situações de flagrante
delito de qualquer crime, que também ficariam a cargo das polícias militares. A
justificativa é que nesses casos não há o que apurar, pois todos os elementos
que caracterizam a infração penal – materialidade, autoria e eventuais
circunstâncias – estariam provadas, sejam as de caráter objetivo (corpo de
delito), sejam as de caráter subjetivo (testemunhos, relato da vítima,
confissão do autor), pelas evidências presentes no evento.
São válidas
as mesmas ponderações relativas à terceira opção, portanto, inclusive as relativas
à similaridade com a primeira.
A adoção de
tais modalidades de ciclo completo, porém, sem a faculdade de se ir além da
integração para verdadeira unificação das forças policiais, ainda que mediante
processo paulatino e seguro, configura paliativo de duvidosa eficácia. Sem essa
providência, aliás, defendida pelos delegados de polícia, o ciclo completo
consistirá apenas em arregimentação de mais poder para as polícias militares.
A adoção do ciclo completo, mantendo-se
as estruturas atuais implica mais tarefas com o mesmo efetivo. Menos eficácia,
portanto. Na prática é estender o ciclo completo apenas para as PM, que possuem
maior efetivo, pois as PC não terão como executar o policiamento ostensivo. Ao
fim e ao cabo as invasões de competência continuarão, pois, ciclo completo para
duas polícias que atuam no mesmo território só faz sentido se houver divisão
material da competência, visto que a divisão territorial é impraticável.
Consistiria,
ainda, em verdadeira subversão do princípio da especialização que informa a
dualidade ora existente. Enfim, não faria sentido que essa especialização,
atualmente interinstitucional, se transmudasse numa generalização interinstitucional,
em vez de uma especialização intrainstitucional, mediante a departamentalização
do órgão conforme as necessidades de segmentação das atividades.
O
exemplo federal, em que o Departamento de Polícia Federal (DPF) e o
Departamento de Polícia Rodoviária Federal (DPRF) fazem prevenção, não é
inteiramente aplicável à hipotética situação em que duas polícias estaduais fossem
responsáveis pela repressão. A repressão só existe onde a prevenção falhou ou
não foi executada por qualquer razão. Duas polícias reprimindo subtrairiam
recursos humanos valiosos à atividade primordial, portanto, a prevenção. O
ideal, então, seria uma só polícia, com departamentos distintos de prevenção e
repressão, com ênfase na prevenção e possibilidade de intercambiamento de
atribuições aos integrantes dessa polícia, de modo que a proporção entre os
efetivos dos segmentos preventivo e repressivo pudesse variar segundo a
necessidade empiricamente observada.
É
inquestionável, porém, que o escorreito enquadramento do fato da vida ao fato
típico não é uma operação simplória e facilmente apreensível por um policial recruta
sem qualquer noção de direito processual. Assim, se o bacharelado em Direito é
tido como um exagero que vincula a carreira de delegado de polícia, o
desconhecimento das formalidades jurídicas exigidas pelos diplomas processuais,
isto é, rudimentos de Direito que pelo menos os oficiais possuem, é um risco a
que estaria sujeito o suposto infrator e, por conseguinte qualquer pessoa, isto
é, toda a sociedade.
Ainda
que se admita a legitimidade da requisição de exames periciais por policiais
militares; do arbitramento da fiança, sua dispensa ou redução; e a extensão do
conceito de autoridade policial para os fins de produção da prova, indiciação,
representação por medidas cautelares diversas e até mesmo a imposição dos
constrangimentos legais, incluindo a restrição da liberdade propriamente dita,
há de estarem tais faculdades e deveres consubstanciados na norma processual.
Mesmo tais disposições, contudo, carecem da prévia alteração da competência
constitucionalmente definida.
Entendemos que a elaboração
do TC poderia, por disposição legal, ser deferida à polícia militar – e, por
extensão, ao DPRF – naqueles casos em que estejam plenamente configuradas a
materialidade e autoria, bem como quando não haja dúvidas acerca da subsunção
da conduta ao fato típico. Em homenagem aos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia
processual e celeridade que informam os procedimentos vinculados à Lei nº
9.099/1995, parece não haver justificativa para tornar complexo algo que deva
ser simples.
Entretanto, restando
qualquer dúvida, carecendo a situação fática de análise mais aprofundada visando
à correta tipificação penal, ou, ainda, sendo necessária qualquer investigação
preliminar ou complementar para cabal esclarecimento do evento, a prudência recomenda
que a polícia civil assuma o caso.
A fim de atender ao pleito
dos policiais militares que emulou a busca pelo ciclo completo, que é a
lavratura do TC, a justificativa que entendemos plausível para a prorrogação dessa
competência pela lavratura do TC à PM e adoção de outras medidas correlatas
inadiáveis é aquela acerca da inexistência de órgão policial civil no local e de
delegado de polícia disponível no horário do evento, o que pode ser
objetivamente comprovado.
Uma
das providências que tornaria o serviço policial mais efetivo, reduzindo ou
eliminando o retrabalho seria a adoção de um boletim único de ocorrência a ser
elaborado pelas polícias civil e militar, nos termos do que foi implantado no Estado
do Rio Grande do Sul, por exemplo, onde isso ocorre desde o ano de 2000, por
força de termo de cooperação celebrado entre o Governo do Estado do Rio Grande
do Sul e o Ministério Público Estadual. Além de ser valioso fator de integração,
a medida facilita a alimentação dos bancos estatísticos pertinentes à segurança
pública.
A adoção de terminologia
uniforme dos eventos e numeração única das ocorrências, que pudesse seguir o
inquérito policial, o processo criminal e que vinculasse a estes o corpo de
delito pertinente, seria medida altamente preventiva de erros, inconsistências
e condutas irregulares em relação aos delitos em geral. Tais medidas simples,
entre outras dezenas que podem ser adotadas, estimulariam a redução da taxa de
atrito, em decorrência de seu perfeito conhecimento, assim como as
inconsistências, os erros, o retrabalho, permitindo a existência de bancos de
dados depurados que subsidiassem a adoção de políticas públicas consistentes,
duradouras e exitosas.
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[1] Sobre unificação das
polícias nos permitimos recomendar a leitura do estudo “Unificação das polícias civil e militar”,
de nossa autoria, no qual discorremos, também, sobre modelos de polícia, ciclo
completo e avaliação do trabalho policial.
[2]
Convencionou-se chamar ‘ciclo
completo’ a execução das atividades de prevenção, ou polícia ostensiva, e repressão,
ou polícia investigativa, pela mesma força policial.
[3] A esse respeito nos permitimos indicar
a leitura do artigo “Mandato e escolha
do chefe de polícia”, de nossa autoria.
[4] Antes que se diga
serem os gendarmes militares e,
portanto, conforme se argumenta, que a polícia militar estaria preparada para o
ciclo completo, adiante-se que a ação referida é facilitada pela circunstância
de atuação na área rural, onde os laços comunitários são mais estreitos, bem
como pela obrigação de o gendarme
residir, com sua família, na área de atuação (LÉVY, 1997).
[5] Observação no original.
[6] Consignado apenas o primeiro subscritor
da proposição.
[7] O teor das normas legais está disponível
no portal da Presidência da República na internet
(<www.planalto.gov.br>). Optamos por não trazer a referência de cada
norma no presente trabalho.
[8] O teor das proposições legislativas,
sua tramitação e documentos correlatos estão disponíveis no Portal da Câmara
dos Deputados (<http://www2.camara.leg.br/>) e no Portal do Senado
Federal (<http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias>).
[9] Nesse tocante lamenta-se a inexistência
no diploma processual pátrio, de regras concretas acerca das atribuições do
primeiro policial a comparecer a local de infração penal, o que é deixado ao
alvedrio das corporações, cujos normativos não possuem coercibilidade
equivalente à de uma lei.
[10] Embora se diga que a polícia federal
execute o ciclo completo, a fase de prevenção é difusa, salvo a prevenção
geral, não obstante ser prevista no inciso II do § 1º do art. 144. A polícia
rodoviária federal, sim, faz o policiamento preventivo, não tendo, porém, a competência
repressiva mediata, o que denota haver entre elas, em termos gerais, a mesma
dicotômica atribuição parcial.
[11] Mesmos as polícias de caráter militar
atuam à paisana nas funções de informação ou inteligência. No Brasil, as seções
de informações das polícias militares (PM2) e dos corpos de bombeiros militares
(BM2) atuam dessa maneira, às vezes invadindo a competência das polícias civis,
a título de fazer prevenção pelo desbaratamento de quadrilhas. No entanto, só
poderiam fazê-lo legalmente durante a investigação de crimes militares.
[12] Não
obstante, há casos em que há sobreposição de competências.
[13] Dados mais modestos dão conta de que
há, naquele país, entre catorze mil e dezessete mil órgãos, conforme o critério
que se utilize para definir quais se enquadram na definição de organismo
policial.
[14] Vide a análise que Melim Júnior faz a
esse respeito em sua monografia (MELIM JÚNIOR, 2002, p. 166 e seguintes).
[15] No dizer de Rondon
Filho (2003) “A taxa de atrito é o indicador utilizado para se medir o percentual
de perda que ocorre em cada instância do Sistema de Justiça Criminal, a partir
do número de crimes cometidos, culminando com o número de infratores que
recebem uma pena de prisão, sendo comprovado em outros países que quanto mais
fases existirem maior será a taxa de atrito, ou seja, mais crimes deixarão de
ser resolvidos. A unificação do ciclo policial excluirá uma fase, podendo com
isso diminuir a taxa de atrito” (RONDON FILHO, 2003, p. 74).
[16] Os oficiais da PM
avaliam que o tempo de resposta é prejudicado pela demanda reprimida, isto é, as ocorrências não comunicadas à polícia ou que não são
atendidas (RONDON FILHO, 2003, p. 65).
[17] Segundo documento produzido pela
Polícia Civil do Distrito Federal, a taxa de resolução de homicídios por aquele
órgão, numa série de dez anos (2003-2014), apresentou uma média de 68%, tendo
atingido o ápice de 82% em 2005 e seguindo tendência de baixa nos últimos anos,
atingiu 51% em 2014 (DISTRITO FEDERAL, 2015).
[18] O
modelo comum nos anos sessenta e setenta nos Estados Unidos era baseado nos
três R: rapid response (rápida resposta), random patrols
(patrulhamento aleatório), reactive investigation (investigação
reativa).
[19] Art. 69. A autoridade policial que tomar
conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará
imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as
requisições dos exames periciais necessários.
[20] Art. 4º A polícia
judiciária será exercida pelas autoridades
policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a
apuração das infrações penais e da sua autoria. (Redação dada pela Lei nº
9.043, de 9 de maio de 1995, que alterou o termo ‘jurisdições’ para
‘circunscrições’). [sem destaques no original]
[21] O
policiamento comunitário pressupõe as rondas pela vizinhança (a pé, a cavalo,
de bicicleta) em substituição ao patrulhamento veicular motorizado (automóvel,
motocicleta). O patrulhamento motorizado pode ser reativo – por demanda dos
cidadãos, geralmente mediante acionamento de uma central de despacho – ou com
características preventivas, por escala fixa em dias e horários específicos ou,
ainda, inopinada, aleatória (randômica) ou por amostragem, a mais comum.
[22] O chamado
policiamento comunitário normalmente é conhecido pela sigla PIP-COM, de Policing
Intervention/Community Policing Plan.
[23] A exemplo das
ingerências das PM2 e BM2 as polícias civis executam policiamento preventivo
por meio das unidades táticas, tais como: COE/Centro (Centro de Operações Especiais), da Polícia Civil do Estado da
Bahia; COPE (Complexo de Polícia
Especializada), da Polícia
Civil do Estado de Sergipe ou como Centro de Operações Policiais Especiais, da Polícia Civil do Estado do
Paraná; CORE (Coordenadoria de
Recursos Especiais), da Polícia
Civil do Estado de Pernambuco e da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro; COT (Comando de Operações Táticas), da Polícia Federal; DOE
(Divisão de Operações Especiais), da Polícia Civil do Distrito Federal; FERA (Força Especial de Resgate e
Assalto), da Polícia Civil
do Estado do Amazonas; GARRAS (Grupo
Armado de Repressão a Roubo a Banco e Resgate a Assaltos e Sequestros),
da Polícia Civil do Estado de Mato Grosso do Sul, ou no singular, GARRA (Grupo Armado de Repressão a
Roubos e Assaltos), da Polícia
Civil do Estado de São Paulo; GER (Grupo Especial de Resgate), da Polícia Civil do Estado de
São Paulo; GERB (Grupo Especial de Repressão e Buscas), da Polícia Civil do Estado de
Sergipe; GOE (Grupo de Operações Especiais), da Polícia Judiciária Civil do
Estado de Mato Grosso, da Polícia Civil do Estado da Paraíba e da Polícia Civil
do Estado de Pernambuco, ou como Grupo de Operações Estratégicas,
da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, Grupamento de Operações
Especiais, da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, ou Grupo de Operações
Especiais, da Polícia Civil do Estado de São Paulo; GOT (Grupo de Operações Táticas), da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo; GRR (Grupo de Resposta Rápida), da Polícia Rodoviária Federal;
GPE (Grupo de Pronto Emprego), da Polícia Civil do Estado do
Pará; GT3 (Grupo Tático 3), da Polícia Civil do Estado de
Goiás; TIGRE
(Tático Integrado de Grupos de Resgate Especial), da Polícia Civil de Alagoas,
ou Tático Integrado de Grupos de Repressão Especial, da Polícia Civil do Estado
do Paraná; e UTO (Unidade Tática Operacional),
da Polícia Civil do Estado do Ceará. Percebe-se que praticamente todos
os Estados criaram sua força uniformizada de polícia civil que, à falta de
missão tática, faz policiamento preventivo. As denominações são curiosamente
criadas para que permitam o conhecimento por uma sigla de impacto, são grafadas
nas viaturas em grandes letras emolduradas por símbolos coloridos como as
próprias siglas sugerem (tigre), emulando o poder de ataque fulminante (águia,
escorpião) ou, ainda, o símbolo escatológico da caveira, muito utilizado por
unidades táticas das polícias militares.
[24] Exemplos de polícia unificada e de
ciclo completo são as polícias legislativas, que funcionam, não obstante o pequeno
efetivo e o âmbito meramente edilício de atuação, ou seja, suas competências
não vão além das áreas edificadas ou sob administração das respectivas casas
legislativas.
[25] Alguns autores preferem o termo
‘indiciamento’, embora indiciação seja mais utilizado, também, no processo
administrativo disciplinar. O Dicionário Eletrônico Houaiss registra indiciamento, mas diz que é o mesmo que indiciação. Depois considera que indiciação é “ação ou efeito de indiciar;
indiciamento” e “fornecimento de indício(s); indicação”. Diz ainda que se trata
de “revelação de falta ou erro; acusação, denúncia” e, como termo jurídico,
“submissão a inquérito criminal ou administrativo”. Assim, tudo indica que o
termo preferível é indiciação,
embora a palavra indiciamento seja igualmente correta.
[26] Um exemplo do uso das denominações dos
cargos de natureza militar por órgãos de natureza civil encontra-se nos Estados
Unidos, onde as polícias têm três cargos básicos com a taxionomia propriamente
militar: capitão, tenente e sargento.
[27] Transformação semelhante ocorreu quando a Força
Pública foi substituída pela Polícia Militar e a Guarda Civil pela Polícia
Civil, no Estado de São Paulo, modelo que foi incorporado pelos demais Estados.
[28] A possibilidade de criação desse
conselho constitucional tem precedente na criação do CNJ (art. 103-B) e do CNMP
(art. 130-A). Sugere-se que deveria possuir poder normativo e consultivo, a exemplo do Conselho Nacional
de Trânsito (Contran), criado pela Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que
instituiu o Código de Trânsito Brasileiro – CTB (art. 7º).
[29] Proposta de Emenda à Constituição.
[30] Abordamos essa questão na Nota Técnica “Bico – considerações sobre a atuação de policiais na segurança privada”,
ainda não publicada.
[31] Há no anedotário policial, inclusive, a
estória do governador que dizia aos policiais: “eu lhes dei o distintivo e a
arma, façam seu salário”.
[32]
Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a “investigar a ação criminosa das milícias
privadas e dos grupos de extermínio em toda a Região
Nordeste”, que funcionou de 2003 a 2005.
[33] Recrutamento
exógeno é aquele a que todos os cidadãos que satisfaçam os requisitos do edital
do concurso podem se candidatar. Endógeno é o recrutamento a que apenas os
integrantes da força concorrem.
[34] Os ‘servidores
públicos’ e os ‘militares’ eram denominados ‘servidores públicos civis’ e
‘servidores públicos militares’, na antiga redação das epígrafes que encabeçam
os arts. 39 e 42 da Constituição, respectivamente, alteradas que foram pela
Emenda Constitucional nº 18 de 1998.
[35] Trata-se dos peritos oficiais de natureza criminal, que inclui peritos
criminais, peritos médico-legistas e odontolegistas. De outra categoria de
peritos, os papiloscopistas, não se exige formação acadêmica específica.
[36]
“Art. 15. (...) § 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia
da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais,
ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da
República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados
no art. 144 da Constituição Federal. § 3o Consideram-se
esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição
Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente
reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de
sua missão constitucional. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2 de
setembro de 2004) (...)” [sem destaque no original]
[37]
Não confundir com ‘taxa de enquadramento hierárquico’ (TEH), razão entre o
número de pessoas que conduz um grupo de subordinados e o número destes,
comumente utilizando-se o denominador 10 e considerando-se ótima a relação até
2/10 ou 1/5 = 0,2. Um valor abaixo disso é considerado subenquadramento, por
exemplo, 1/10 = 0,1 (MONET, 2006, p. 110). A TEH pode ser proporcionalmente
menor desde que haja menor número de tarefas a serem executadas pelo grupo. Bittel
(1982) considera razoável a equipe de um supervisor para cinco a sete
subordinados. As polícias militares possuem uma maior TEH que as polícias
civis, razão porque seus integrantes ficam muito mais sujeitos à supervisão
direta, especialmente a de primeira linha, isto é, na base.
[38] Órgãos colegiados
formados por representantes das polícias e da sociedade civil, estes eleitos,
cuja finalidade é definir os rumos da atuação das polícias, tanto no aspecto da
alocação e aplicação dos recursos, como das prioridades, métodos e resultados.
[39] Em alguns Estados a função é chamada ‘delegado-geral’.
(Estudo elaborado em setembro de 2016)
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