segunda-feira, 31 de agosto de 2015

PÍLULAS

Uma das frases machistas que se ouve quando o tema é violência contra a mulher: "o homem não sabe porque está batendo, mas a mulher sabe porque está apanhando".
Este pensamento denota o machismo sem causa que perpassa, ainda, a cultura mundial, especialmente a ocidental.
Isso significa, na visão errada com a qual não compactuo, evidentemente, que o homem não sabe porque bate em razão de isso ser uma herança cultural. É como se fizesse aquilo por instinto. Já a mulher sabe porque apanha, isto é, ela foi feita para ser submissa; e apanhar é uma forma de se colocar nessa situação.
Isto está tão arraigado que até no início da Bíblia se diz que Deus condenou a mulher à submissão.
O fundamentalismo religioso, uma das características da dissolução de valores na complexidade social atual é um forte exemplo. A burka está aí para com
provar que a mulher ainda é vista como um ser inferior em muitos lugares.
... 
O ditado segundo o qual "o homem é produto do meio" trata-se de senso comum e, portanto, não tem aplicação científica. É uma constatação que ocorre na maioria das vezes, mas creio que a influência do meio não seja determinante do comportamento.
Acredito na influência da carga genética (aí estaria Lombroso?) para a formação da personalidade que, a meu ver, também, é influenciada pelos cuidados da primeira infância. Alguns cientistas dizem até que o feto tem sensibilidade e reage a manifestações carinhosas dos pais.
Então, parece-me que o tema não pode ser visto de forma exclusivista. Depende até da fase em que a influência do meio se manifesta.
Um bebê mal-amado, espancado, mal-cuidado, provavelmente vai ter uma personalidade doentia, rodeada de medo, insegurança e talvez até um desejo atávico de vingança contra o seu agressor. Daí para a desobediência, a rebeldia e o ingresso no mundo do crime é um passo.
Já um adolescente que sempre viveu num ambiente de respeito recíproco, se jogado num meio vicioso, dificilmente se corromperá. Temos bons exemplos de pessoas que crescem nesses ambientes e não se tornam bandidos, mas pessoas respeitáveis.
...
É sabido que há uma tendência da mídia em dourar a pílula com relação às lideranças das "comunidades", isto é, o traficante que paga o botijão de gás da Dona Maria, o remédio da mãe dela, mas, ao mesmo tempo, alicia o seu filho adolescente para ser fogueteiro.
É como se quisessem resgatar a figura poética do malandro das primeiras décadas do século passado, que usava uma navalha, usava roupa de linho, falava manso e enganava os trouxas.
Hoje é AK 47 que o "Leviatã paralelo" utiliza para impor sua vontade, sem "democracia" ou "participação popular", com um código de leis muito mais severo que o do Estado verdadeiro.
As milícias nada mais são que bandidos travestidos de justiceiros que, a título de exterminar os demais bandidos, cometem outros crimes, extorquindo as populações e impondo o terror da mesma forma.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

PREDISPOSIÇÃO AO CRIME



Creio que não haja alguém predestinado, biologicamente, para o crime. Mas especula-se que hajam aqueles geneticamente propensos a comportamentos agressivos, o que poderia dar origem a crimes. Essa tese encontra respaldo nas predisposições genéticas para certas doenças. Como sabemos que há doenças psíquicas, que afetam o comportamento, não seria surpresa os cientistas descobrirem algum gene da agressividade.
Fazendo uma analogia com o senso comum de que muitos pobres tendem ao crime, podemos traçar um paralelo. Segundo Luiz Tadeu Viapiana, em Economia do crime, citando vários autores estrangeiros, especialmente Gary Becker, a pobreza não leva ao crime, mas dentre o universo de criminosos há um contingente grande de pobres, talvez levado a esse modo de vida extremo dadas as parcas condições em que vivem e à falta de oportunidade de crescimento na atividade legal. O autor explica que não há uma tendência do pobre em ser criminoso, mas a predisposição que o meio ambiente lhe proporciona favorece seu ingresso no mundo do crime.
O mesmo raciocínio poderia ser aplicado aos negros e pardos, maioria absoluta dos processados, condenados e presos no Brasil. Não existe em relação a tais pessoas tendência ao crime, mas como as leis penais foram construídas para conter os “grupos perigosos”, isso implica sua aplicação à parcela da população mais pobre que, infelizmente, em sua maioria é composta pelos negros e pardos. E isso vem desde a libertação dos escravos, quando os pretos libertos não tinham ocupação, levando alguns a cometer pequenos delitos para sobreviver, passando daí a integrar as “classes perigosas”,  objeto de repressão continuada desde então.
Donde alguns cientistas sociais defenderem, no âmbito das ações afirmativas, a cota para pobres e não para negros, que abrangeria, por essa lógica, a maioria dos negros e evitaria beneficiar negros ricos e deixar de beneficiar brancos pobres. Mas este é outro assunto.
Voltando ao tema, as religiões espiritualistas que admitem a reencarnação (ou metempsicose e outras formas de crença na revivência da alma no mundo físico) defendem que muitos renascem com a predisposição para situações de conflito, visando ao resgate de dívidas morais passadas. Entretanto, segundo algumas dessas religiões, existe um determinismo, ou seja, a pessoa estaria fadada a passar por determinadas experiências (matar ou ser morto por alguém, por exemplo, o que é mais fácil de ocorrer em ambientes conflituosos), isto é, o destino conformaria a vida da pessoa. Outras acreditam que, apesar da predisposição, existe certo livre arbítrio que levariam as pessoas a escolherem seu caminho.
Tirante a questão religiosa, que é muito polêmica e carente de evidências científicas, naturalmente, poderíamos admitir, em tese, que alguém com uma carga genética agressiva pode vir a ser ou não agressivo, dependendo das condições do meio e da formação do caráter do indivíduo.
Há uma frase, não sei se do poeta Mário Quintana, segundo a qual não estamos livres apenas de duas coisas: da morte e de fazer escolhas. Então, acredito que as escolhas são sempre possíveis, haja influência biológica ou do meio.

Mas não concordo que as influências biológicas, se houver, possam ser em relação a medidas ou características físicas do corpo, como defendia Lombroso, mas de caráter genético. Assim, não é porque alguém é feio que tende ao crime, pois sabemos que há muitos bonitões de extensa folha corrida por aí.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

CARTA A UM AMIGO NO NEPAL

Caro amigo,          
               Enfim lhe encontrei, após vinte e tantos anos. Soube que você tinha saído do Brasil descontente com a nova ordem constitucional, decidindo ser monge! Estranhei sua escolha, mas, enfim, passado todo esse tempo, tenho de lhe dar razão, parcialmente.
                Olhe que o texto constitucional tentou moralizar a administração pública, inserindo os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e um sem número de regras, além daquelas que surgiram no âmbito infraconstitucional. O mesmo se deu com os direitos fundamentais, logo ali no art. 5º, com o que se procurou resgatar a cidadania depois de tanto tempo de regime de exceção. Assim, temos, pelo menos em caráter programático, vários direitos e garantias até então esquecidos, muitos vazados em princípios básicos como o de que ninguém é obrigado a fazer algo senão em virtude de lei, o devido processo legal, a proibição de prisões arbitrárias e outras.
          Como lhe dizia, enveredei pelo caminho da segurança pública, onde atuo. Neste tema, a Constituição afirma que segurança pública é “dever do estado, direito e responsabilidade de todos”. Então, veja, a insegurança em que vivemos hoje (você deve acompanhar o noticiário) deve-se, em grande parte, à falência do Estado em prover segurança aos cidadãos e esse estado de segurança é um direito nosso. Muita gente, porém, não vê o outro lado da moeda, eximindo-se de qualquer responsabilidade pela construção de uma sociedade segura.
  Aliás, o brasileiro é conhecido pelo seu “jeitinho”, que significa abrir mão dos processos regulares de interação social, usando do poder econômico, político ou social para obter favores legais. E ainda usam o pobre Gerson (lembra, o “Canhotinha de Ouro” da Copa de 70?), denominando de “Lei de Gerson” nossa mania de levar vantagem em tudo.
  Ora, como diz Lazzarini, um administrativista patrício nosso, a ordem pública tendo três dimensões, da salubridade pública, da tranquilidade pública e da segurança pública, entendo que numa crescente ordem de responsabilidade e comprometimento, os órgãos de segurança pública estão presentes em todas as dimensões. Na primeira, na medida em que secunda os órgãos da Administração Pública no exercício de seu poder de polícia. Na segunda, realizando o policiamento preventivo, com sua presença e, na terceira, efetuando a preservação da ordem pública, traduzida em ações efetivas para a repressão a atos contrários às normas e convenções sociais e retorno à normalidade da paz social.
  Dito isso, parece muito prosaica a atividade de segurança pública, mas não é bem assim. A criminalidade está cada vez mais ramificada na sociedade, astuta, usando aparatos tecnológicos e imbricada nos meandros do poder, o que nos torna reféns, não só dos bandidos, mas de nós mesmos. Enquanto alguns deles ficam trancados nos presídios, são livres para fazer grassar a violência no país, nós, livremente presos em nossas casas, ficamos à mercê dos que nos “mandam”, mandados por eles.
  Você, “iluminado” pelo reflexo do sol nas neves do Himalaia talvez não saiba o que acontece nestes tristes trópicos.
  Mas como dizem por aqui, sou brasileiro e não desisto nunca! Como otimista incorrigível, digo que isto aqui é uma maravilha! Não quer voltar?
   Um abraço do amigo, Rocha.
P.S.: Interessante como Nepal é um acrônimo de Penal. Então, estamos de alguma forma unidos nessa empreitada!

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

O RIGOR DA LEI

Penso que nós temos leis suficientemente rigorosas na maioria dos casos que exigem tal rigor. embora muita gente alegue que nossas leis são brandas demais.
Então, vamos lá. Se as leis são rigorosas, não são brandas. Quanto a existirem brechas, concordo; e isso é resultado de como se dá o processo legislativo. Há muitos legisladores que atuam segundo suas convicções ideológicas, econômicas e até baseados no senso comum, como aquele de que “bandido bom é bandido morto” e outras pérolas.
Como na área de direito penal, direito processual penal e segurança pública atuam muitos deputados oriundos dos órgãos de segurança pública, geralmente há esse viés de “lei e ordem” a perpassar a feitura das leis.
Houve progressos recentes, como certa despenalização de vários crimes, com a Lei dos Juizados Especiais. Bem antes, houve a criação das penas alternativas, que propiciaram o surgimento da Justiça Especial.
Entretanto, no Brasil nós temos o sistema de progressão de penas, inexistente nos Estados Unidos, por exemplo. Ainda assim, a regra é única, aplicável a qualquer tipo de crime, quando poderia variar conforme a natureza do crime, mais gravosamente conforme a maior quantidade de pena aplicada e outros critérios de equidade.
Por outro lado, os estabelecimentos penais são um caos, salvo honrosas exceções, das quais cito Brasília.
Essa circunstância leva os juristas e advogados em geral a rejeitar o regime disciplinar diferenciado, por exemplo.
Entendo que houve retrocessos, também, como a inexigência do parecer da Comissão Técnica de Classificação (CTC), a partir de 2003, para obtenção de favores legais, como a progressão de regime.
Diz-se, igualmente, que as leis não são suficientemente difundidas para toda a população. Concordo que é um problema, pois nem todo mundo tem acesso ao Diário Oficial ou à internet, onde as leis estão publicadas. Assim, cada lei, ou pelo menos as que afetam mais diretamente a população, poderiam ser publicadas num jornal de grande circulação.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Linguagem culta versus linguagem coloquial

Vejo com apreensão a forma como os jovens estão se comunicando nas redes sociais e por mensagens de texto. Ainda que tentem justificar pela rapidez da comunicação síncrona nesses meios (como a nossa é assíncrona, levamos vantagem), o fato é que vão se acostumando a uma maneira de escrever e sentem dificuldades para redigir textos mais elaborados.
Mas seria só a pressa devido à falta de tempo, que acomete a todos? Seria preguiça, pois quem não gosta de ler, também não tem paciência para escrever? Acho que é um pouco de cada coisa mais um pouco de falta de vontade de aprimorar-se constantemente, o que requer atenção contínua.
Às vezes percebemos uma mesma pessoa escrever a mesma palavra num só texto, de duas formas diferentes. Isso demonstra que a atenção na forma como se escreve conta muito mais do que decorar a análise sintática.
E, como alguém disse antes, a leitura é o caminho mais curto para aprimorar a compreensão. Entender a etimologia, grande aliada da boa escrita, bem como treinar a escrita, além, é claro, de buscar sempre novos conhecimentos de língua portuguesa (aprendemos alguma coisa a cada dia), são, aliados à leitura, os instrumentos suficientes para o necessário aperfeiçoamento.
Com certeza, o desafio é tanto maior quanto mais a pessoa esteja afastada do hábito da leitura e da escrita. Alguns têm o privilégio de trabalharem redigindo, o que facilita muito. Quem não tem essa facilidade deve se esforçar para adquirir o hábito da leitura, que ajuda muito no processo da escrita.
É preciso, então, ler todos os dias, não só as placas e avisos, mas algum texto elaborado: jornal, livro, internet, e-mail.
Quanto à impessoalidade nas comunicações oficiais, é uma característica essencial, como princípio constitucional da Administração pública, que é por onde se trocam ou se divulgam tais comunicações.
A regra dos três princípios resume tudo: clareza, precisão e concisão. Um texto oficial deve seguir esses princípios, além daquele da impessoalidade, assim como as normas em geral. Para a boa compreensão, mesmo das normas, a que ninguém é dado o direito de alegar desconhecimento, requer um mínimo de compreensão dos destinatários, isto é, toda a população.
Donde a necessidade de alguma uniformização segundo a norma culta, pois se fosse tão livre o escrever quanto o falar, os textos legais ficariam incompreensíveis.

Enfim e antes de tudo, é preciso contextualizar o falar e o escrever em relação ao destinatário, o ambiente e o momento.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Direitos humanos e seus titulares

Direitos humanos são direitos de todos os indivíduos (universais), que a eles não podem renunciar (irrenunciáveis), que não podem ser retirados, transferidos ou negociados (inalienáveis), que não podem ser desrespeitados por quem quer que seja (invioláveis) e nem se perdem pelo decurso de prazo (imprescritíveis), devendo ser atribuídos e garantidos em igual medida para qualquer um (igualitários). 
Vencida a discussão sobre quem são os titulares dos direitos humanos, suas características são  igualdade, universalidade, irrenunciabilidade, inalienabilidade, inviolabilidade e imprescritibilidade.
Essas características, entretanto, não são absolutas e aplicáveis a toda a escala dos direitos humanos, consideradas todas as suas dimensões ou gerações. Da mesma forma que os direitos fundamentais não têm caráter absoluto frente aos direitos coletivos, tese já consagrada pelo Supremo Tribunal Federal, suas características são mais visíveis naqueles mais tradicionais, os de primeira geração, por exemplo. Os de terceira, quarta e até quinta geração, por estarem ainda numa fase de consolidação, estariam sujeitos a certa relatividade na aplicação desses princípios.
Como um exemplo simples, o direito a um meio ambiente saudável não pode ser tido como absoluto, se o próprio poder público não é efetivo na garantia de sua fruição.
A notoriedade que os direitos humanos tiveram nesse último século tem a ver com a democratização dos países, com a globalização da economia e o avanço tecnológico que aproximam todas as pessoas, não obstante a exclusão social que promovem.
Vemos, porém, que a noção de humanitarismo acompanha os movimentos dos povos e governos, no sentido de congregar os países, com a proliferação de acordos e tratados visando a promover a paz e a igualdade.

No âmbito interno, os países buscam adequar suas legislações às recomendações dos organismos internacionais, de que os tribunais supranacionais são um exemplo, no sentido de proteger os cidadãos de excessos cometidos pelos próprios governos. 

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

MODELOS DE GRADIENTE DE USO PROGRESSIVO DA FORÇA


        Voltamos a este tema porque é extremamente relevante, sob o ponto de vista de que as forças policiais estão, cada vez mais, preocupadas em atuar de forma menos letal, respeitando o direito à vida e à integridade física das pessoas.
       Não obstante essa tendência, notamos que ainda é muito assimétrica a situação das diversas polícias no país, seja com respeito aos recursos humanos e materiais, seja no tocante à qualidade da seleção, da formação e do treinamento, seja, ainda, em relação ao grau de comprometimento com a excelência em todos os aspectos, essa última variável estreitamente ligada á cultura organizacional de cada corporação e da cultura policial como um todo, além da subcultura específica existente em cada órgão. Não podemos esquecer, também, as características locais, no enfrentamento da criminalidade tradicional, quadrilhas modernas ou narcotraficantes, por exemplo. A par disso tudo, as distorções salariais, grande bode expiatório para todas as mazelas das polícias.
         No caso das polícias do Distrito Federal, tanto a civil como a militar, que conheço mais de perto, têm um padrão de atuação técnica e de conduta ética acima da média em termos de Brasil. Há, naturalmente, aquele percentual histórico de maus profissionais existentes em qualquer profissão e, tal como o crime nunca deixará de existir, os maus profissionais também não. É preciso atingir um patamar aceitável de indivíduos considerados desviantes, o que não se confunde em admitir uma “banda podre” na polícia. A existência de mecanismos rígidos de responsabilização e expurgo desses indivíduos, que sempre serão substituídos por outros, dados os novos ingressos, passa pelo fortalecimento das corregedorias e métodos contínuos de educação preventiva, como o estudo da ética policial, dos direitos humanos e matérias afins, não só nas academias, mas no cotidiano dos policiais.
         Os modelos mais comuns de uso progressivo da força são: FLETC (Federal Law Enforcement Training Centers), Gillespie, Remsberg, Canadense, Nashville, Phoenix e Remsberg modificado.
      Dentre os vários modelos observa-se que quase todos utilizam padrões gráficos para definir o gradiente. Tais padrões têm a intenção de impressionar os sentidos para melhor fixação, de modo a facilitar a apreensão e, consequentemente, a correta aplicação do gradiente.
        Assim, os modelos impressionam a visão, ao utilizar cores para cada nível, além de formato que tendem a associar a gradação entre o nível de uso da força com o nível de risco, como degraus, colunas, setores circulares, figuras etc.
     O uso de cores se coaduna com o sistema a ser adotado no plano de policiamento e com o plano de contingência, em que se adotarão níveis de alerta utilizando padrões cromáticos internacionalmente conhecidos. Pode-se utilizar, ainda, símbolos e desenhos, para facilitar a apreensão.
      Entretanto, essas características só impressionam um sentido: a visão. Outro sentido que pode ser atingido é a audição. É o que ocorre na utilização da arma de incapacitação neuromuscular, chamada taser (nome dicionarizado da marca Taser; pronuncia-se têiser), quando se deve dizer em voz alta: “taser, taser”, para alertar os circunstantes e os próprios policiais, visando a evitar que a taser seja confundida com arma de fogo, ensejando a utilização indevida desta. Outra forma de impressionar a audição é estabelecer qualquer indicativo sonoro de situação emergencial, a que poderia estar vinculada determinada fase do gradiente. Naturalmente o sentido da audição é utilizado no momento em que uma equipe receba ordens ou autorização para atuar em determinado nível de força segundo as circunstâncias. Essa comunicação pode-se dar presencialmente ou por telefone, rádio ou, ainda, pelo sistema de alto-falantes, situação em que as próprias pessoas alvo do uso da força ficariam sabendo qual seria ela, como forma de dissuasão da conduta agressiva.
         Quando dirigi o Departamento de Polícia Legislativa (Depol) da Câmara dos Deputados, em 2007/2008, criei um modelo de uso da força voltado para as especificidades de uma casa legislativa, que denomei Polegis. O modelo consistiu em adaptação dos principais mencionados acima.

         Considerei sete situações, representadas por sete cores, uma delas considerando a absoluta normalidade, no início do espectro (branco, significando ainda situação totalmente neutra ou não aplicável ao caso) e, ao final do espectro a situação representada pela cor preta, significando envolvimento total da força, não se traduzindo mais por grau de risco, mas evento indesejável (morte) já ocorrido e necessitando de controle para debelar o sinistro, retomar as atividades e recuperar-se dos seus efeitos. Os cinco níveis intermediários são de alerta a dissuasão e ação – esta em gradiente de força progressiva –, variando entre azul (presença), verde (verbalização), amarelo (mãos livres), laranja (instrumentos de impacto) e vermelho (arma de fogo). Essa sequência significa uma gradação de risco cada vez maior, tanto de ameaça quanto de resposta da força policial.  

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

USO PROGRESSIVO DA FORÇA

        

                        

Interessante o artigo intitulado “Processos de treinamento no uso da força para policiais militares da Região Sudeste: uma análise preliminar”, de autoria de Paulo Aughusto Souza Teixeira, publicado na Revista Brasileira de Segurança Pública (http://revista.forumseguranca.org.br/index.php/rbsp/article/view/37).
            O autor é oficial superior da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) e coordenava à época da publicação (março de 2009) os Conselhos Comunitários de Segurança do Rio de Janeiro.
        Estimulado pelo seminário “A polícia que queremos! Compartilhando a visão e construindo o futuro!, realizado em 2006, o autor resolveu abordar o tema, realizando pesquisa em 2008, como resultado do Programa de Bolsas Paulo de Mesquita Neto, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
          A pesquisa foi direcionada aos policiais militares dos Estados da Região Sudeste (Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo), consistindo de pesquisa bibliográfica e trabalho de campo realizado por meio de entrevistas, tarefa que, segundo o autor, apresentou facilidades e dificuldades que buscou equilibrar, na condição de oficial da polícia militar.
         Abordando o conceito de mandato, de Muniz e Proença Júnior, como sendo o conjunto formal de atribuições das organizações de manutenção da ordem, o autor lembra que o pensador italiano Norberto Bobbio adverte a prevalência da exclusividade do uso da força em determinado território apenas sobre o direito desse uso. Essa passagem nos faz recordar a triste realidade dos morros sem Estado no Rio de Janeiro, que, às vezes, precisam conviver com o Estado paralelo das milícias.
          Ressalta o autor, ao longo do texto, as iniciativas das polícias dos Estados da Região Sudeste no sentido de enfocar, na formação e treinamento dos policiais militares – infelizmente mais direcionados aos de patentes superiores – a valorização e preservação da vida, transmudando a clássica visão do uso da força para a proteção às pessoas. Esse enfoque teve como inspiração os trabalhos de Jaqueline Muniz e do pesquisador estadunidense Egon Bittner, autor de “Aspectos do trabalho policial”, no qual constrói uma “teoria da polícia”.
          O autor aponta alguns fatores condicionantes do uso da força, sendo eles de caráter externo (políticas e legais) ou interno (estratégicas, táticas e logísticas). Dentre as primeiras destaca os pronunciamentos jurisprudenciais, como a questão do uso de algemas, disciplinada por Súmula do Supremo Tribunal Federal, bem como as proposições legislativas pertinentes à atuação policial, como a referente à alteração da lei de abuso de autoridade.
         No aspecto estratégico vislumbra a alteração do modelo histórico de atuação das polícias, oriundo de sua vinculação à força terrestre como força auxiliar, o que é denotado pela tendência de se adotar uma filosofia de polícia comunitária no agir policial. A condicionante tática (que no texto reporta como técnica) estaria a normatização infralegal que dê factibilidade ao “estado das práticas”, visto como a situação real, aquém do “estado da arte”, considerado a melhor prática, buscando o ideal. As condicionantes logísticas são as voltadas para os recursos materiais como meios de comunicação, viaturas, armamento e equipamento.
          O autor deu relevância ao Método Giraldi de tiro, desenvolvido pelo Coronel Nilson Giraldi, da reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP), o qual busca minimizar os efeitos da atuação repressiva policial, de modo a controlar o número de mortes não-naturais oriundas da ação tradicional.
          Apontou o autor alguns problemas observados, como a diferença de treinamento entre os policiais que residem próximo aos centros de treinamento em relação aos lotados no interior do Estado, embora o esforço dos Estados em prover treinamento continuado. Outra dificuldade seria a falta de mecanismos seguros de aplicação de técnicas de mediação de conflitos, algo cotidiano na atuação do policial de rua. Mais uma, seriam os filtros por que passa todo processo de inovação visando à conduta dos policiais, que são a nível institucional, do corpo docente e dos alunos, na recepção do ensinamento.
        Uma característica das forças policiais constatada pelo autor foi a existência de forças especiais, privilegiadas em relação às demais em termos de treinamento e recursos logísticos, as quais são voltadas para ações menos comuns envolvendo rebeliões em estabelecimentos penais e crimes com reféns.

          O autor destacou por fim, a atuação da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), por meio do fortalecimento do Renaesp (Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública) e cursos à distância, tendo como parceiro o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, visando transversalizar os conteúdos dos direitos humanos nos processos de formação e treinamento dos policiais militares.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

O senhor está preso!



Insisto que é possível, sim, estabelecer padrões mínimos de conduta policial, que poderão até não ser seguidos, em situações excepcionais, devendo o policial, nessas circunstâncias, relatar o fato, justificando porque não os seguiu. Qualquer administração sensata tanto estabelece padrões mínimos como deve ter competência para avaliar as situações em que tais padrões não puderam e porque não puderam ser seguidos.
Os padrões mínimos podem especificar, inclusive, "o que não fazer", que às vezes são suficientes para deixar à discricionariedade do policial a técnica de resolução de conflitos que ele considerar adequada para cada situação, conforme sua experiência e as circunstâncias fáticas.
Um exemplo de padrão mínimo por exclusão é o "tapa na cara". Conforme mencionado pelo Beltrame, na excelente entrevista constante do link http://m.revistatrip.uol.com.br/artigo/40552, o policial nunca deve dar um tapa na cara de alguém. Humilha, torna o agredido rancoroso para com a polícia, não só para com o agressor, não colabora para a pacificação social, dá mau exemplo para os outros, depõe contra a corporação etc., etc., etc.

Eu dizia a meus policiais que se tivessem que atirar em alguém que o fizessem, mas jamais agredissem alguém gratuitamente. Em quase dez anos de atuação nunca fui ameaçado, mesmo investigando policiais corruptos. Creio que é isso que vai respaldar a ação policial e o respeito pela polícia. Toda polícia rigorosa quando necessário, mas conciliadora quando possível, tem o respeito da população. E se agir no limite da lei tem o respeito dos delinquentes. A polícia não deve ser temida, mas respeitada.
De nada adianta o policial querer mostrar serviço ou aparecer para a imprensa utilizando linguajar de jargão, ao se referir ou se dirigir ao autuado, investigado, indiciado, acusado, infrator, interno etc., denominações adequadas, como "meliante", "elemento", "mala", "vagabundo" e outras. Geralmente é um infrator da lei, a maioria das vezes um criminoso (qualquer um de nós pode sê-lo) e quase sempre um delinquente e mesmo um bandido. Desses, o delinquente pode agir sozinho ou não, mas a noção de bandido é de quem faz parte de um bando (que atua na área rural) ou quadrilha (que atua na área urbana). Pode ser um crápula, um facínora, mas será sempre um delinquente ou criminoso e não serão adjetivos que irão qualificar eventual condenação.
A maior humilhação autoimposta por alguém que cometeu um crime é ouvir do policial, "o senhor está preso!" ou, se for caso de deferência, "Vossa Excelência está preso!".

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Procedimentos Operacionais Padrão (POP)

Creio que um grande problema no estabelecimento de políticas públicas é a qualidade dos recursos humanos envolvidos. Não me refiro à capacitação, pois temos muitos servidores de alto gabarito. A qualidade pressupõe efetivo em condições de atender às demandas cotidianas e, além disso, se atualizar num mundo em constante mudança numa velocidade jamais vista. Além disso, os formuladores de políticas, em geral gerentes de alto e médio escalão precisam não só conhecer o ambiente em que desejam propor inovações, mudanças ou processos e métodos de trabalho, mas, também, conhecer as técnicas próprias para tal. E há, ainda, as diferenças no modo de perceber os problemas e propor soluções, consideradas as idiossincrasias próprias do ser humano. Reunir, sempre, quem possa contribuir, para daí extrair um consenso fica muito difícil, senão impossível. Mas não estou fugindo do assunto.
O que quero dizer é o seguinte: nossas próprias leis são elaboradas de uma forma muito mecânica, praticamente sem a participação do povo. Os representantes nem sempre entendem de todos os temas por onde se aventuram. Muitos, inclusive a mídia e os eleitores, medem a eficiência dos legisladores pelo número de projetos que apresentaram. Então, tome leis para nomes de pontes, estradas, aeroportos, dia disso, dia daquilo. Daí surgem leis defeituosas, prato cheio para causídicos espertos, que lhes espreitam as brechas antes mesmos de entrarem em vigor. Ou, então, são esquecidas as leis estruturantes, por fazer ou por alterar. Se as leis não são um primor de acabamento, também não o serão as normas infralegais (regulamentos, portarias, resoluções etc.).
Noutra óptica, o federalismo brasileiro instituído pela Constituição de 1988 deu grande importância ao chamado pacto federativo implícito no art. 18, que pode ser empecilho para a tomada de decisões uniformes ou homogeneizadoras de procedimentos desejáveis, esquecendo-se do princípio da solidariedade federativa do art. 241. Donde a dificuldade de se estabelecer esses parâmetros, ficando cada ente federativo livre para estabelecer os seus ou, o mais comum, se omitir, nada estabelecendo.
Penso, pois, que deve haver, sim, procedimentos genericamente padronizados, dadas as realidades distintas dos entes federados. 
Já há em alguns Estados, como São Paulo, os chamados Procedimentos Operacionais Padrão (POP), que dão uma idéia de uniformidade. Ainda assim, os POP quase sempre se dirigem aos chefes, no sentido de lhes orientar o que fazer, que recursos alocar etc. Raramente entram em detalhes sobre a atuação do policial da ponta do processo.
É nesse policial que reside toda a discricionariedade policial durante sua atuação, manejando as técnicas de mediação de conflitos. Que técnicas são essas? Muito superficialmente são orientados a respeito, quando deveriam ter treinamento intenso, com simulações exaustivas sobre as hipóteses de ocorrência a serem enfrentadas.
Certa vez, aqui no DF, policiais atiraram em direção a um veículo cujo condutor estava fazendo transporte clandestino! E o risco de acertarem inocentes ou mesmo o infrator? Isso ocorreu  no Rio e em São Paulo, com a guarda civil metropolitana. É razoável agentes da lei “trocarem tiros”? Não creio!
Há muito as polícias reclamam por uma lei orgânica comum, havendo várias proposições no Congresso Nacional, que dormitam alguns anos, são acordadas e novamente postas a dormir ou arquivadas. Falta consenso, dizem...
Creio que é preciso, inicialmente, disciplinar, por lei, que tipos de ocorrências estariam sujeitas à mediação do policial, civil ou militar, pois atualmente já atuam nesse sentido, “resolvendo” pequenos problemas que, a bem da verdade, deveriam ser objeto de uma ocorrência policial e ser dirimido o conflito apenas em juízo. Sem contar os casos de corrupção, quantos delegados usam sua discricionariedade para decidir se tal fato constituiu crime ou é atípico, se é caso de instauração de inquérito ou é melhor, em nome da paz social, deixar o caso “morrer”!
Enfim, falta disciplinamento. Não acredito na versão de que os casos são múltiplos e, portanto, diversas teriam de ser as condutas. Um padrão mínimo sempre é possível estabelecer.
O procedimento padrão tem de existir, mesmo para evitar o “sabe com quem está falando?” e outras formas de discriminação contra os ppp e leniência para com os poderosos. A exemplo, há alguns anos um policial militar que me conhecia parou-me numa blitz e, ao me reconhecer, deixou que eu seguisse, ainda que tenha insistido para lhe mostrar minha documentação. Não seguiu o procedimento padrão. Da mesma forma, quantos agentes públicos foram dispensados de uma ação fiscalizadora qualquer porque era conhecido do fiscal?
E, por fim, há o problema dos cargos e funções de confiança, os chamados QI. Lembro-me de um diretor do Detran, da época do ex-governador Cristovam Buarque, que se vangloriava de não permitir o perdão de qualquer multa, mas dizia que, se a autoridade insistisse, ele se dispunha a pagar a multa para ela. Se o fazia, não sei, mas é a típica conduta de quem não quer se indispor com os figurões, sob pena de perder o cargo.

Outra lástima!

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Vejam esse documentário, "Ilha das Flores", no link <http://portacurtas.org.br/busca/advancedSearch.aspx?field=g%C3%AAnero&term=document%C3%A1rio>

O documentário é muito bem feito. A repetição da característica dos seres humanos, não presentes nos animais, mas presentes em “todos” os humanos, que se entrelaçam na narração, funciona como uma espécie de mantra, para consolidar a mensagem. Muito inteligente.
A mensagem, por sua vez, se mistura como uma denúncia, um desabafo e um apelo. Ah, e uma certa ironia...
A denúncia se caracteriza pela exposição do nível de humilhação e abandono a que foi relegado aquele grupo humano. O desabafo está inserido até na participação dos miseráveis, ao mostrarem que possuem o polegar opositor. O apelo está na própria mensagem, para que nós e outras pessoas que a vejam, possam contribuir o pouco que seja para que esse estado de coisas não se perpetue.
Ali não se mostra o controle social, mas o total “descontrole social”. As pessoas não estão ali porque lhes foi imposto viver no e do lixo. É a falta de políticas públicas que as levaram a se submeter àquilo.
É o mesmo que ocorre nas ocupações dos morros e lixões que fazem nossa tragédia diária. Alguns poucos votos são muito importantes para que se evitem invasões e favelas, que se transformam em assentamentos ou conjuntos habitacionais populares em cima do chorume.
Não acredito que seja em nome do controle social que essas populações são abandonadas. Ninguém é tão perverso: por outro ângulo é ainda pior, ao não se dar conta disso.
O que os órgãos de controle têm com isso? O Judiciário só atua se provocado, nessas circunstâncias. Enquanto isso, a polícia atua solidariamente, procurando levar segurança e proteção a essas comunidades. E, contraditoriamente, às vezes, precisa ir ao mesmo local garantir uma desocupação determinada judicialmente.
E assim como aquele operário na Bahia, que se recusou, chorando, a derrubar uma casa humilde com seu trator de trabalhador da prefeitura, o policial fica entre a cruz e a espada, equilibrando-se sobre o que os americanos chamam de a tênue linha azul (blue thin line).  Isto é, se sair para a direita é abuso de autoridade; se sair para a esquerda é prevaricação.

Uma lástima.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Chame a polícia
Hobbes dizia que o homem é o lobo do homem ("homo homini lupus"), pois, diante da realidade de que todos têm direito a tudo, todos estão em guerra entre si. O que o homem mais deseja é a honra. Para isso, usa a violência competindo com outros, por desconfiança ou em busca de glória.
Para que haja uma limitação à discórdia, surge o Leviatã (Deus mortal), oriundo de um contrato por consenso, em que cada
um abdica de seu direito a possuir tudo o que quiser, em nome da paz.
Segundo Hobbes, o medo é que leva o homem a se antecipar perante os demais, atacando-os antes de serem atacados. O medo, atualmente, diante da insegurança, nos leva a nos encasularmos, tornarmo-nos individualistas.
Assim, em vez de um jardim compartilhado, sem cercas que dividam os terrenos, colocamos um muro entre nós e nosso vizinho, eletrificamos o muro, vigiamos seu perímetro com câmeras, colocamos um cão bravo para guardá-lo, tornando-nos, como lembrou um colega, presos em nossa própria cela, nossa casa.
Muitos se esquecem desse distanciamento em relação ao nosso próximo, ao depauperamento das relações sociais. Ao primeiro problema, reclamam da polícia, como se a polícia fosse o remédio para todos os males.

Mas alguém já disse que a polícia é o analgésico: tira a dor mas não cura. Quem cura são as doses homeopáticas das ações do Estado (Leviatã) para impor a paz. Isso não se faz, porém, com a força. A força é o analgésico. A homeopatia está nas ações preventivas voltadas para a preservação dos valores morais, de que a vida digna, em todos os aspectos, é pressuposto inafastável.