quinta-feira, 27 de agosto de 2015

CARTA A UM AMIGO NO NEPAL

Caro amigo,          
               Enfim lhe encontrei, após vinte e tantos anos. Soube que você tinha saído do Brasil descontente com a nova ordem constitucional, decidindo ser monge! Estranhei sua escolha, mas, enfim, passado todo esse tempo, tenho de lhe dar razão, parcialmente.
                Olhe que o texto constitucional tentou moralizar a administração pública, inserindo os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e um sem número de regras, além daquelas que surgiram no âmbito infraconstitucional. O mesmo se deu com os direitos fundamentais, logo ali no art. 5º, com o que se procurou resgatar a cidadania depois de tanto tempo de regime de exceção. Assim, temos, pelo menos em caráter programático, vários direitos e garantias até então esquecidos, muitos vazados em princípios básicos como o de que ninguém é obrigado a fazer algo senão em virtude de lei, o devido processo legal, a proibição de prisões arbitrárias e outras.
          Como lhe dizia, enveredei pelo caminho da segurança pública, onde atuo. Neste tema, a Constituição afirma que segurança pública é “dever do estado, direito e responsabilidade de todos”. Então, veja, a insegurança em que vivemos hoje (você deve acompanhar o noticiário) deve-se, em grande parte, à falência do Estado em prover segurança aos cidadãos e esse estado de segurança é um direito nosso. Muita gente, porém, não vê o outro lado da moeda, eximindo-se de qualquer responsabilidade pela construção de uma sociedade segura.
  Aliás, o brasileiro é conhecido pelo seu “jeitinho”, que significa abrir mão dos processos regulares de interação social, usando do poder econômico, político ou social para obter favores legais. E ainda usam o pobre Gerson (lembra, o “Canhotinha de Ouro” da Copa de 70?), denominando de “Lei de Gerson” nossa mania de levar vantagem em tudo.
  Ora, como diz Lazzarini, um administrativista patrício nosso, a ordem pública tendo três dimensões, da salubridade pública, da tranquilidade pública e da segurança pública, entendo que numa crescente ordem de responsabilidade e comprometimento, os órgãos de segurança pública estão presentes em todas as dimensões. Na primeira, na medida em que secunda os órgãos da Administração Pública no exercício de seu poder de polícia. Na segunda, realizando o policiamento preventivo, com sua presença e, na terceira, efetuando a preservação da ordem pública, traduzida em ações efetivas para a repressão a atos contrários às normas e convenções sociais e retorno à normalidade da paz social.
  Dito isso, parece muito prosaica a atividade de segurança pública, mas não é bem assim. A criminalidade está cada vez mais ramificada na sociedade, astuta, usando aparatos tecnológicos e imbricada nos meandros do poder, o que nos torna reféns, não só dos bandidos, mas de nós mesmos. Enquanto alguns deles ficam trancados nos presídios, são livres para fazer grassar a violência no país, nós, livremente presos em nossas casas, ficamos à mercê dos que nos “mandam”, mandados por eles.
  Você, “iluminado” pelo reflexo do sol nas neves do Himalaia talvez não saiba o que acontece nestes tristes trópicos.
  Mas como dizem por aqui, sou brasileiro e não desisto nunca! Como otimista incorrigível, digo que isto aqui é uma maravilha! Não quer voltar?
   Um abraço do amigo, Rocha.
P.S.: Interessante como Nepal é um acrônimo de Penal. Então, estamos de alguma forma unidos nessa empreitada!

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